Resumo
O presente estudo tem como objetivo caracterizar a grilagem de terras no Piauí a partir de auditorias nos dados do cadastro fundiário nacional e delinear o papel das prefeituras municipais no processo de apropriação fundiária irregular. As análises são ancoradas na epistemologia de fronteira levando em conta o conceito de colonialidade formulado por Aníbal Quijano. Utilizaram-se técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. A partir dos dados das auditorias foi possível indetificar 53 processos com imóveis com indícios de fraudes nas cadeias dominiais, dos quais 17 se referem a irregularidade “arrecadação por prefeituras municipais”. A fiscalização dos dados cadastrais se mostrou eficiente para o diagnóstico da grilagem de terras, embora necessite de correções. Identificou-se 5 grupos de fraudes junto aos registros imobiliários. Observou-se que prefeituras municipais foram utilizadas como estratégia de reserva da terra para entrada no mercado no momento oportuno. A grilagem de terras é uma função inerente ao próprio sistema-mundo capitalista moderno-colonial e representa uma das formas de colonialidade na apropriação sobre a terra.
Palabras clave: questão fundiária; sistema fundiário; fiscalização cadastral; colonialidad; controle do território
Resumen
El presente estudio tiene como objetivo caracterizar el acaparamiento de tierras en Piauí a partir de auditorías de datos del catastro nacional y delinear el papel de los gobiernos municipales en el proceso de apropiación irregular de tierras. Los análisis se anclan en la epistemología de frontera teniendo en cuenta el concepto de colonialidad formulado por Aníbal Quijano. Se utilizó la investigación bibliográfica y la investigación documental. Con base en los datos de las auditorías, fue posible identificar 53 procesos con inmuebles con evidencia de fraude en las cadenas de dominio, de los cuales 17 hacen referencia a la irregularidad “recaudación por parte de los gobiernos municipales”. La inspección de datos catastrales demostró ser eficiente para el diagnóstico de acaparamiento de tierras, aunque necesita correcciones. Se identificaron 05 grupos de fraude en registros inmobiliarios. Se observó que los ayuntamientos se utilizaron como estrategia de reserva de suelo para ingresar al mercado en el momento adecuado. El acaparamiento de tierras es una función inherente del propio sistema-mundo capitalista modernocolonial y representa una de las formas de colonialidad en la apropiación de la tierra.
Palabras clave: tema de la tierra; sistema de tierras; inspección catastral; colonialidad; control del territorio
Abstract
This study aims to characterize land grabbing in Piauí based on audits of data from the national land registry and to outline the role of municipal governments in the process of irregular land appropriation. The analyses are anchored in frontier epistemology, taking into account the concept of coloniality formulated by Aníbal Quijano. Bibliographic research and documentary research were used. Based on the data from the audits, it was possible to identify 53 processes with properties with evidence of title chain fraud, of which 17 refer to the irregularity “collection by municipal governments.” The inspection of cadastral data proved to be efficient for the diagnosis of land grabbing, although it needs corrections. Also, 5 fraud groups were identified in real estate records. It was observed that city councils were used as a land reserve strategy to enter the market at the right time. Land grabbing is an inherent function of the modern-colonial capitalist world system itself and represents one of the forms of coloniality in the appropriation of land.
Keywords: land issue; land system; land registry inspection; coloniality; control of the territory
Introdução
O presente estudo tem como objetivo cacaterizar a grilagem de terras no Piauí a partir de auditorias nos dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), e delinear o papel das prefeituras municipais no processo de apropriação fundiária irregular, uma peculariedade do processo de grilagem local, que se deu após a descentralização do poder de arrecadação de algumas terras públicas para os entes municipais na Constituição Estadual de 1947. A apropriação irregular ou ilegal de terras públicas tem sido uma constante na formação da propriedade rural no Brasil. É um fenômeno recorrente, em diferentes momentos históricos, quando são utilizados diversos mecanismos jurídicos e sociais para garantir o acesso aos recursos fundiários e florestais. Longe de ser uma questão restrita ao Brasil, o processo de apropriação irregular de terras tem ocorrido em toda a América Latina, muitas vezes protegidas pelo Estado, notadamente quando governadas por elites aliadas aos países imperiais (Galeano, 2010).
Como base para as discussões utilizou-se do conceito de colonialidade formulado por Quijano (1992) numa linha episitêmica de fronteira, considerando que a apropriação irregular de terras, ou a apropriação sobre o território baseada na não-ética da guerra, no sentido de expandir a bases produtivas dos países imperiais e a exploração dos outros povos, é uma questão inerente a própria fundação do sistema-mundo capitalista moderno/colonial (Quijano, 1992, 2007; Maldonado-Torres, 2007). O próprio surgimento das relações capitalistas na agricultura na Inglaterra está associada ao “roubo de terras dos camponeses” e mais tarde do Estado, quando este assumiu os deveres sobre a propriedade do solo (Marx, 2006, p. 837, grifo nosso). Com a revolução republicana no século XVI, “inauguraram a nova era em que expandiram em escala colossal os roubos de terras do Estado (...). Essas terras foram presenteadas, vendidas a preços irrisórios ou simplesmente roubadas mediante anexação direta a propriedades particulares” (Marx, 2006, p. 837). Daí a importância de considerar o conceito de colonialidade para análise da grilagem, porque ela representa o lado oculto da transformação da terra em mercadoria, um dos marcos da modernização da propriedade fundiária.
A colonialidade se refere a continuidade dos processos de dominação sobre as nações colonizadas, mesmo após a independência administrativa, demonstrando como as estruturas de poder e subalternização continuam a ser reproduzidas pelos mecanismos da matriz de poder colonial do sistema-mundo capitalista colonial/moderno (Quijano, 1992; Assis, 2014). A partir dessa penetração da ideologia da colonialidade no controle do pensamento dos povos das colônias, difundindo inclusive o modelo de produção do conhecimento, começamos a compreender que nenhuma insticionalidade poderia fugir desse modelo discriminatório que se implanta no Brasil em relação a questão da terra e do território. Assim, todo o aparato legal e normativo que se aplica a questão da terra e de território no Brasil, seguem à risca a filosofia eurocêntrica, e não por acaso neles se desprezam as territorialidades dos outros povos, porque são associadas a cosmologias de vida não compreendidas, e que são vinculadas a raças e etnias diferentes dos europeus, reproduzindo o racismo institucional (Mignolo, 2003; Secreto, 2011; Sousa, 2021).
O uso do termo “grilagem” para caracterizar a terra irregularmente apropriada e registrada ilegalmente, vem de um antigo artifício utilizado pelos fraudadores para dar uma aparência envelhecida aos novos documentos fabricados por fraude. Consistia em colocar os documentos falsos junto com diversos “grilos” (insetos da Ordem Orthoptera, da Família Gryllidae) em um recipiente fechado, de forma a modificar o aspecto inicial do papel pelo contato com os excrementos dos insetos. Assim, com o tempo, as folhas apresentavam manchas ferruginosas, corrosão nas bordas e orifícios na superfície, indicando uma falsa ação do tempo (BRASIL, 1999). Entretanto, o uso do termo “grilagem” para significar terra irregularmente apropriada, parte da estratégia de utilizar documentações cruzadas de cadastros e órgãos diversos, criando um suposto aspecto de regularidade para dificultar a identificação das irregularidades, embora se saibam que elas existem. Assim, da mesma forma que o inseto alardeia sua presença em determinado ambiente, mas dificilmente é encontrado, tem-se conhecimento das fraudes nos registros, mas não se tomam as providências pelas dificuldades das normas fundiárias ou pela leniência do Estado (Holston, 1993).
Além da apropriação dos territórios dos povos originários, a prática da grilagem de terras no Piauí tem sua origem no apossamento fictício para criação de gado do período sesmarial, portanto, na transposição de instituições européias para as nações colonizadas. E ao longo do tempo vai sendo amparada pelas incongruências desse regime de terras e pelas lacunas e aplicabilidade complexa deixadas pelas diversas legislações posteriores. O aparato legal permitem, historicamente, descrições imprecisas das posses, como nos registros paroquiais durante o século XIX e nos registros de terras realizados a partir das legislações agrárias estaduais do final do século XIX e início do século XX, que vão também ser utilizados no momento oportuno, para realização dos registros de terras, conforme explicado por Porto (2019). A grilagem de terras se tornou uma estratégia fundamental da elite dominante para acelerar a entrada das terras devolutas nos circuitos produtivos e no mercado imobiliário, não apenas no período colonial e imperial, mas ao longo de todo período republicano. Por isso é um fenômeno que se movimenta, prioritariamente, seguindo o dinamismo dos arranjos produtivos criados a partir de necessidades do capitalismo global que vão dominando o cenário econômico e conduzindo a abertura das frentes agrícolas, de forma a incorporar novas terras e territórios ao circuitos capitalistas, sedimentando a colonialidade do território (Martins, 2010; Porto-Gonçalves; Quental, 2012; Assis, 2014; Castro, 2018).
Mas essas fraudes no sistema fundiário tem sido historicamente ocultadas e negligenciadas ao longo da construção das instituições da modernidade em nome do utilitarismo, do progresso e do desenvolvimento, uma marca da colonialidade, porque não há motivo para se orgulhar em se apropriar de terras mediante roubo. A grilagem faz parte da raiz da questão agrária no Brasil, permitem o alastramento das injustiças fundiárias, a contínua regeneração do latifúndio e da concentração de terras, e a expropriação dos povos do campo (Mignolo, 2003; Barbosa; Porto-Gonçalves, 2014). Martins (2001), explica que até mesmo os movimentos sociais do campo tem ignorado o ocultamento das ilegalidades no sistema fundiário nas suas pautas e pressões políticas; e mesmo que os entes de governo tenham enxergado a grilagem de terras como “um dos mais poderosos instrumentos de domínio e concentração fundiária no meio rural brasileiro” entre as décadas de 1990 e 2000 (BRASIL, 1999a, p. 3), o Estado tem negligenciado a sua importância para violação dos direitos humanos e territoriais “a não proteger a população local das ações dos grileiros locais, das empresas do agronegócio e dos investidores” (FIAN; REDE SOCIAL; CPT, 2018, p. 7).
Assim, mesmo na atualidade, o impacto da apropriação irregular recai também sobre os territórios das comunidades tradicionais, já que a terra sem registro, mesmo quando ocupada pelas diversas populações, são consideradas “terras devolutas” até o momento do seu primeiro registro e destinação. Além de ser considerado fator de predisposição para os desmatamentos ilegais e outros crimes ambientais, a grilagem de terra vem também acompanhada da violência no campo e pela violação dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais (Martins, 2010; Alves; Treccani, 2018). As comunidades dos baixões da região dos cerrados piauienses têm denunciado uma outra finalidade para a apropriação sobre os territórios: a grilagem verde. Trata-se de uma inversão na estratégia de grilagem, comumente marcada pela expansão da área de títulos ou registro de terras que partem das margens dos cursos d’água rumo aos gerais, abarcando as terras das chapadas reconhecidas publicamente como devolutas. Noutro sentido, as empresas e produtores de monoculturas passam a cobiçar também os baixões que tem uma cobertura vegetal naturalmente mais preservadas, em função dos modos de vidas de seus povos, visando se adequar a legislação ambiental, no sentido de maximizar o aproveitamento das áreas planas das chapadas (Alves, 2009; FIAN; REDE SOCIAL; CPT, 2018).
A área de estudo e marco metodológico
As principais técnicas de pesquisa utilizadas para realização do presente estudo foram a pesquisa documental e bibliográfica (Gil, 2021), cuja base foram os dados levantados nos processos de fiscalização cadastral, instaurados na Superintendência Regional do Insituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), no Piauí, entre 1999 e 2017, considerando que esses procedimentos representam umas das principais ações de gestão fundiária para o combate a grilagem de terras. Neles se encontram documentos de diversos cartórios e do Arquivo Público do Piauí sobre Datas de Sesmarias, pareceres técnicos e jurídicos, ofícios, petições de proprietários, manifestações de órgãos diversos que compõem o sistema de gestão fundiária (ou compuseram), como o Instituto de Terras do Piauí (INTERPI), a Companhia de Desenvolvimento do Piauí (COMDEPI), Corregedoria do Tribunal de Justiça e outros órgãos judiciários, Ministério Público Estadual, Procuradoria Geral do Estado, Secretaria de Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Estado do Piauí (SEMAR), entre outros. Além disso, esses processos de fiscalização desencadearam ações em outros órgãos, tanto no executivo quanto no judiciário. Também foram levantadas e analisadas leis federais e estaduais, relatórios e outros documentos de movimentos sociais do campo, relatórios da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Piauí, relatórios de comissões da Assembleia Legislativa do Estado do Piauí, publicações em jornais e portais eletrônicos, além das informações colhidas nas entrevistas e observações de campo.
A seleção dos processos se deu a partir de informações contidas em planilhas e relatórios do banco de dados Mapa de Controle de Processos de Fiscalização (MCF) da Superintendência Regional do INCRA no Piauí (BRASIL, 2021). Nos relatórios emitidos junto ao referido banco de dados, constatou o controle de 559 processos administrativos de comprovação cadastral, dos quais 326 foram encerrados. Considerando o volume de informações constante nesse importante acervo, para uma análise mais detalhada e coleta de documentos, selecionou-se apenas os processos finalizados com área superior a 1.000 hectares (mil hectares), bem como os que estavam acessíveis no arquivo dos processos de fiscalização, visto que, devido ao quase abandono dessa ação, muitos processos encontram-se espalhados em outros setores do INCRA no Piauí e até mesmo na sede de Brasília. Assim, dos 326 processos encerrados, foram localizados e analisados 103 processos com área superior a 1.000 hectares, dos quais foram colhidas informações a respeito da forma de apropriação sobre a terra e o território, a caraterização da (ir)regularidade dos registros de terras, a quantificação e a localização de imóveis com registros/matrículas irregulares, a posição dos órgãos fundiários frente aos indícios de grilagem de terras, aspectos da ação de gestão fundiária dos diversos órgãos, conflitos territoriais, entre outras. A coleta de dados seguiu o formulário semi-estruturado, cujo levantamento de informações foi seguida de cópia dos documentos julgados mais importantes.
A área de estudo compreende o território do estado do Piauí, localizado na região Nordeste do Brasil, e para facilitar a compreensão da distribuição das unidades conceituais como “Data de Sesmaria” e “imóvel rural” no espaço piauiense, associando inclusive aos modelos de desenvolvimento planejados para cada região, adotamos nas presentes discussões, a proposta de “regionalização” Territórios de Desenvolvimento, criada através da Lei Estadual Complementar n° 87, de 22 de agosto de 2007 (PIAUÍ, 2007).
O combate a grilagem a partir da fiscalização do cadastro de imóveis rurais
Como já visto nas seções anteriores, as medidas para cadastramento das terras particulares e públicas, no sentido de conhecer a sua localização e discriminação, são pleiteadas desde o período colonial, a exemplo do levantamento dos possuidores de terras realizado por Francisco Gouveia nos sertões do Piauí em 1753, depois com o registro eclesiástico na década de 1850 e posteriormente com o registro estadual de terras de 1898 (Santos, 2021). Em que pese terem sido realizados outros cadastramentos oficiais das terras, a figura do cadastro como uma ferramenta de gestão fundiária vai aparecer na legislação fundiária com a edição do Estatuto da Terra, cujo art. 46 define o órgão federal de terras como o responsável pelo levantamento de dados para elaboração dos cadastros de imóveis rurais em todo o país (BRASIL, 1964). Porém, o Governo Militar fez retornar para a União a competência para realização de diversas medidas de gestão fundiária, entre elas, a delimitação das zonas prioritárias para ações de reforma agrária, que deviam recair sobre os latifúndios (Silva, 2015).
Entretanto, a implementação definitiva do cadastro vai ocorrer após a Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972, com a criação do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), regulamentado pelo Decreto 72.106, de 18 de abril de 1973. A partir da criação do SNCR e da sua regulamentação, é que surge no Brasil um cadastro com as mais complexas funções visando a gestão fundiária das mais diversas regiões do país, com o objetivo conhecer a estrutura fundiária; fornecer elementos para o planejamento da política agrícola; para subsidiar a formulação e a execução da política agrária (e ainda da colonização); e fornecer dados para a tributação (BRASIL, 1973). Como se vê, a missão da colonização persiste no seio da gestão fundiária mesmo na contemporaneidade.
Todavia, antes do Governo Fernando Henrique (1995-2002), não ocorreram movimentos coordenados pelo INCRA para o combate a grilagem e recuperação das terras públicas fora da Amazônia. E as ações realizadas até aquele momento, eram pontuais, mesmo nos estados localizados na região Norte (Martins, 2001). No final da década de 1990, as constantes denúncias e escândalos sobre grilagem de terras públicas associadas a expulsão de camponeses e comunidades tradicionais, ao desflorestamento, principalmente na Amazônia Legal, obrigaram o governo federal tomar providências. Assim, o INCRA lançou a Portaria/INCRA/P/Nº 558, de 15 de dezembro de 1999, com o objetivo de depurar informações de imóveis rurais com suspeitas de fraudes junto ao SNCR1, após a constatação de enormes inconsistências em relação a origem e sequência de títulos de propriedades objetos de fiscalização cadastral instituída pela Diretoria de Cadastro do INCRA em dezembro de 1999. Apontavam ainda para falhas de cadeia dominial2 de muitas matrículas e divergências em torno do tamanho da áreas nos imóveis. A partir dessa portaria, foram cancelados todos os cadastros inconsistentes dos imóveis fiscalizados e convocados os seus detentores para apresentar documentação comprobatório dos dados declarados juntos ao SNCR.
Na prática significava a imobilização dos grandes imóveis ilegais, já que sem o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), expedido pelo INCRA, os supostos proprietários perdem o direito de alienar o imóvel, seja pela venda, parcelamento ou qualquer outro meio de transmissão da titularidade, além de não poder oferecer tais imóveis como garantia em empréstimos bancários (BRASIL, 2001). Na fase seguinte, previa-se a notificação das corregedorias dos tribunais de justiça para fiscalização dos cartórios e determinação do cancelamento de matrículas, bem como notificação dos órgãos estaduais de terras e o ministério público para ajuizamento de ações que visavam reverter as terras para o patrimônio público, conforme a situação das terras, se federal ou estadual (BRASIL, 1999; BRASIL, 1999a; BRASIL, 2001c).
O Governo Federal apresentou os resultados dos trabalhos realizados a partir dessa Portaria nº 558/1999 como inéditos no Livro Branco da Grilagem de Terras, e como sendo a “maior intervenção fundiária da história do país e do mais duro golpe já desferido contra o latifúndio no Brasil”. O objetivo era tentar reverter para o patrimônio da União as imensas glebas apropriadas irregularmente por terceiros, a fim de disponibilizar terras para a reforma agrária, regularização fundiária e para unidades de preservação ambiental. A ideia operacional inicial era a de mapear seletivamente a estrutura fundiária do país, localizando todos os imóveis acima de 10 mil hectares com suspeita de fraudes e falsificação de títulos de propriedade de terras. O levantamento parcial apresentado em 1999 destacou a existência de imóveis com suspeita de grilagem em todas as regiões do país, numa extensão territorial superior a 100 milhões de hectares e correspondente a 12% do território nacional (BRASIL, 1999, p. 2). Também, a partir dos resultados dessas análises, a Procuradoria Federal do INCRA no Amazonas denunciou à Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, um amplo esquema de grilagem de terras pertencentes à União, que resultou no cancelamento de registros de imóveis sobre uma área superior a 48 milhões de hectares (Reydon; Silva; Tiozo, 2006).
A primeira versão do Livro Branco da Grilagem de Terras, apontou o número de imóveis cujos cadastros junto ao INCRA foram cancelados para forçar a checagem de informações cadastrais declaradas pelos proprietários de terras; apresentou um panorama por estados das suspeitas de grilagem de terras e de ações em andamento para retomada das terras públicas; além de propostas para mudanças legislativas (BRASIL, 1999a). O livro também trouxe casos esdrúxulos de apropriação irregular sobre as terras, as florestas e os territórios dos povos tradicionais na Amazônia Legal, já resultantes dos trabalhos realizados para recuperar terras públicas federais, como num registro de “aproximadamente 9 milhões de hectares” originados de uma fraude em inventário no estado do Pará, cuja solução judicial se arrastou por longos anos (BRASIL, 1999a, p. 14, grifo nosso). Os casos de grilagem, amparados pelos judiciários estaduais, muitas vezes acham rebatimento nos órgãos públicos de terras para aumentar ainda mais os prejuízos ao erário em ações que resultem em indenização, exigindo esforços hercúleos para reversão dos feitos.
Em complemento a Portaria/INCRA nº 558/1999, O Governo lançou a Portaria/INCRA nº 596, de 05 de julho de 2001, com o objetivo de fiscalizar o cadastro de imóveis rurais com área entre 5 mil e 10 mil hectares, selecionando os municípios que apresentaram maiores irregularidades na fase de recadastramento da primeira portaria (BRASIL, 2001). Lançou também a Portaria/INCRA nº 835, de 16 de dezembro de 2004, que visava apoiar o Ministério do Trabalho na identificação e combate ao trabalho escravo no campo. Estas portarias foram fundidas posteriormente na Portaria/INCRA/P nº 12, de 24 de janeiro de 2006, na qual previa-se a continuidade dos trabalhos de fiscalização cadastral para o combate à grilagem de terras e ao do trabalho análogo a escravidão3, entre outros objetivos (BRASIL, 2006a). Desde a edição da primeira portaria, foram originados 559 processos de fiscalização cadastral somente na Superintendência Regional do INCRA no Estado do Piauí, que guardam uma infinidade de informações pouco sistematizadas, mas de extrema relevância para a sociedade piauiense e brasileira.
A segunda versão do Livro Branco da Grilagem de Terras, além de repetir o mesmo balanço da versão anterior, apresenta um resumo dos grandes imóveis sobre processo de fiscalização cadastral pelo INCRA, dando destaque apenas aos números de proprietários que não apresentaram documentação da terra após serem notificados, quantificados em 21 de 118 no caso do Piauí (BRASIL, 2001). Entretanto, pelas informações constantes nos processos, entendemos que elas permitiam fazer um balanço preliminar da situação fundiária dos grandes latifúndios no Brasil, e definir com clareza a situação jurídica dos imóveis e indícios de grilagem para todos os imóveis fiscalizados. Em outras análises, como as realizadas por Sabbato (2001) e Reydon, Silva e Tiozo (2006), a suspeita de grilagem de terras é tomada apenas a partir da situação de entrega ou não de documentos pelos proprietários após a notificação das Portarias 558/1999 e 596/2001, o que não é um parâmetro correto, já que muitos documentos apresentados podem ocultar importantes estratégias de grilagem, como veremos adiante.
O livro faz também menção a dois casos de grilagem de terras recuperadas no Piauí na segunda metade da década de 1990. O primeiro caso, do imóvel Cajunorte, situado no município de Canto do Buriti, com área aproximada de 50 mil hectares, teve falhas identificadas na cadeia dominial pelo INCRA em um processo administrativo de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. O processo foi encaminhado ao INTERPI, que procedeu o cancelamento do registro e a arrecadação das terras. Já o imóvel Pirajá, com área de 65.274 hectares, situado no município de Bom Jesus do Piauí também teve irregularidades detectadas na sua cadeia dominial, caso que também foi encaminhado ao INTERPI (BRASIL, 2001), cuja discriminatória em favor do Estado do Piauí foi julgado em 16 de maio de 1997 (Lustosa Filho, 1997).
Na virada do século XX para o século XXI, o Governo Federal fazia previsões pretenciosas sobre o combate a grilagem e ao latifúndio no Brasil. Para o Ministro do Desenvolvimento Agrário, da gestão FHC, Raul Jungmann, o latifúndio teria “sido politicamente batido e já não detém o poder de veto sobre as mudanças legislativas e fundiárias” (BRASIL, 2001, p. 9). No Governo Lula, também foram lançadas campanhas que previam o mesmo nível de entusiasmo com relação ao combate da grilagem e ao latifúndio, conforme observou-se em folheto publicitário, lançado no ano de 2004, que se referia a grilagem e latifúndio como coisa do passado. Nesse documento público, apostava-se na Lei n° 10.267, de 20 de agosto de 2001 como “um eficaz instrumento com capacidade para potencializar as ações de gestão da estrutura fundiária e ainda de permitir a articulação entre as políticas de caráter fiscal, ambiental, de desenvolvimento e reforma agrária no país” (BRASIL, 2004, p. 3).
A introdução de diversas medidas fundiárias, no início da década de 2000, também animou pesquisadores que se dedicavam a questão fundiária. Reydon, Silva e Tiozo (2006) apostavam que o novo cadastro organizado a partir da Lei n° 10.267/2001 e suas regulamentações seria “possível levantar os diversos problemas fundiários existentes com o intuito de aperfeiçoar as instituições que regulam a propriedade da terra e, consequentemente, o mercado de terras” (Reydon; Silva e Tiozo, 2006, p.54), bem como resolver os problemas sobre as titularidades das terras e arrecadar as terras devolutas, de forma a facilitar adoção de um política fundiária e destinar terras para a reforma agrária. Diversos autores entendiam que, a partir da criação do Cadastro Nacional dos Imóveis Rurais (CNIR), que visa o gerenciamento de informações pelo INCRA em conjunto com a Secretaria da Receita Federal e os cartórios de registros de imóveis, com seus componentes gráficos, inexistentes até então, com “registros confiáveis e precisos”, seria possível “controlar as transações imobiliárias rurais e legitimar essas transações a partir da certificação da propriedade da terra”, gerando maior transparência para o mercado de terras (Reydon; Silva e Tiozo, 2006, p. 68; Rosalen, 2014).
Mas, essa ações logo se mostrariam insuficientes e ineficazes para controlar a voracidade desse setor conservador pelo controle das ações dos órgãos fundiários e ambientais e as mudanças das respectivas normas que orientavam suas ações. Mesmo quando a regulamentação é clara sobre determinadas questões que afetam o latifúndio, sempre se encontram caminhos para defesa das fraudes pelos segmentos rurais dominantes, permitindo-os ganhar tempo enquanto consolidam a propriedade definitiva, como explicado por Holston (1993, 2013). Aliás, nunca foi por falta de lei: “a Lei de Terras de 1850 foi a primeira instituição a estabelecer procedimentos operacionais” que orientavam a transformação de sesmarias concedidas pela coroa e as posses em propriedades (Reydon; Silva e Tiozo, 2006, p. 55). Também não faltaram legislações estaduais para regulamentar a demarcação da propriedade privada de forma a separá-la da terra pública. A questão sempre foi mais grave, porque o funcionamento das instituições foram determinadas pelo conjunto das categorias da elite dominante, dentro ou fora da lei, tanto nas instâncias administrativas quanto no poder judiciário, demonstrando uma contínua ação de controle sobre os domínios territoriais e seus processos, marca da colonialidade na América Latina, assim como, mais especificadamente, no estado do Piauí. Como se observa no passado e na atualidade, a questão é muito mais complexa do que mera mudança normativa, se faz necessário transformar todas as estruturas fincadas na colonialidade do poder, do saber, do ser, da natureza e do território.
Logo na segunda década do século XXI, a derrocada das ações de gestão fundiária mostraram que as previsões dos Governos FHC e Lula sobre o combate a grilagem e ao latifúndio estavam completamente equivocadas. Para começar, o CNIR passou mais de 10 anos para começar a ser implantado, repetindo os históricos descolamentos entre a legislação fundiária e sua implementação, que vem desde o período colonial. Todavia, o novo ponto de inflexão para o afrouxamento das normas de gestão fundiária, que coincide também como afrouxamento das normas de gestão ambiental, é o acentuamento da crise capitalista pela crise alimentar de 2007-2008, que aumenta a cobiça das grandes corporações sobre os territórios na América Latina (Porto-Gonçalves; Quental, 2012; Sauer; Leite, 2017; Pires-Luiz; Steinke, 2019). A mudança do Sistema Nacional de Certificação de Imóveis (SNCI) para o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), no ano de 2013, automatizou as certificações dos georreferenciamentos das poligonais dos imóveis rurais submetidas ao INCRA, desatrelando a certificação de qualquer análise técnica que avalie uma correlação com a poligonal constante em memorial descritivo pré-existente junto a matrícula do registro imobiliário, e que na prática permite a “mobilidade do imóvel rural”. Isso já se deu seguindo a tendência começada pela desvinculação da certificação do georreferenciamento, de qualquer análise de regularidade dos registros de terras na certificação pelo INCRA.
As ações de combate a grilagem de terras do governo federal, na realidade, significavam apenas identificar as irregularidades juntos aos registros e matrículas dos imóveis cadastrados no SNCR, e informar aos entes responsáveis pela recuperação das terras ou adoção de outras medidas cabíveis. Mas a edição da Portaria/INCRA/n° 326/2017 forçou o encerramento dos processos de fiscalização cadastral e proibiu a abertura de novos processos e auditorias sobre os imóveis suspeitos de conter irregularidades cadastrais nas Superintendências Regionais do INCRA nos estados, o que na prática significou a suspensão das ações de combate a grilagem de terras e ao trabalho escravo de forma integrada (BRASIL, 2017). Não sobrou nem mesmo um relatório com a consolidação dos dados finais, como ocorreu com as duas versões do livro branco da grilagem de terras. Dessa forma, como no passado, o Estado volta a ignorar a origem (e a ocultar) e o aprofundamento dos diversos problemas fundiários e socioambientais no campo.
Longe de ter sido uma ação desenvolvida de forma tranquila dentro do INCRA (e fora também), os processos de fiscalização sofreram muitas contestações por parte de proprietários na Justiça Federal, bem como constantes assédios da classe política piauiense alinhada com o agronegócio e o latifúndio. Além disso, não eram incomuns notícias de obtenção de vantagens por servidores da Autarquia na condução dos processos para dar celeridade a muitos atos administrativos. Consta denúncia da prática de obtenção de vantagens, que orientou a edição da Portaria/INCRA/ SR(24)/G/nº 02, de 19 de janeiro de 2004, cujo objeto foi a criação de comissão de sindicância de cunho investigativo sobre desvios de conduta de servidores do INCRA. A ação de fiscalização se mostrou burocrática e morosa, além de ter favorecido ingerências ações internas. Todavia, a auditagem dos dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural se mostrou um importante ferramenta para diagnóstico das irregularidades praticadas dentro do sistema de gestão fundiária, motivo pelo qual, não faz sentido continuar abrindo mão da realização de auditorias regulares, porque esse sistema de cadastro condensa informações de todas as pessoas e instituições que de alguma forma se relacionam com a terra. Além de ser uma meio para diagnosticar incongruências dos cartórios e outras fraudes, guarda informações das pessoas estrangeiras que adquirem terra no Brasil, é ainda uma porta de entrada para futuros atos de grilagem, já que não é incomum a tentativa de se efetuar registros de posses com dimensão de latifúndio. Também se faz necessário criar espaços para o cadastro de outras territorialidades ocultadas, para além da territorialidade jurídica de imóvel rural e do proprietário da terra.
Caracterização da grilagem de terras no Piauí
As finalidades da grilagem estão ligadas tanto a especulação quanto para assegurar o controle do território para o uso da terra, das florestas e de outros recursos naturais: obtenção de ganhos financeiros, através da apropriação e venda de terras em grande escala, apropriação da terra para lastrear financiamentos bancários em garantia a projetos agropecuários, apropriação sobre a terra para assegurar a exploração madeireira ou outra atividade agrosilvopastoril, apropriação sobre a terra para utilizá-la no pagamento de dívidas fiscais, e apropriação para uso futuro em ações de desapropriação para fins de reforma agrária e para fins ambientais. Já os tipos de fraudes são classificadas nas seguintes categorias: fraudes nos títulos, a exemplo de datas, assinaturas, nomes falsificados e referência a livros de registros inexistentes; fraudes nos processos, que não obedecem as formalidades, tais como títulos registrados sem processos, sem notificações de partes interessadas; fraudes na demarcação, que criam imóveis sobre cartas, sem o devido levantamento de campo; fraudes na localização, a partir de títulos forjados sem lastro na busca de um espaço para ser assentado; e fraudes nos registros, onde os cartórios aceitam registrar qualquer documento sem referência de domínio, como contratos de compra e venda de posses, documentos de cadastros e comprovantes de impostos (BRASIL, 2006).
A partir da amostra colhida nos 103 processos de fiscalização analisados, foram diagnosticadas irregularidades na cadeia sucessória dominial de 53 imóveis rurais (51,45%), distribuídos em 06 (seis) Territórios de Desenvolvimento do Estado do Piauí (dos 11 territórios), contemplando 16 municípios e 25 supostas Datas de Sesmarias distintas, conforme demonstrado na Tabela 1. Isso não quer dizer que não existam processos de grilagem em outros municípios sistuados nos demais Territórios de Desenvolvimento, eis que a ação de fiscalização só abrangeu os municípios com imóveis acima de 10 mil hectares. Todavia, é possível afirmar que nesses 6 territórios contidos no Tabela 1 encontram-se as maiores extensões de terras griladas no Estado do Piauí.
Na Tabela 2 apresentamos uma caracterização das irregularidades para garantir a apropriação sobre as terras, sobre a natureza e os recursos naturais, todas identificadas durante as análises dos 53 processos de comprovação cadastral. As irregularidades foram distribuídas por grupos de fraudes, codificados por letras maiúsculas de A a E, e subgrupos, também codificados por uma letra maiúscula referente ao grupo, acompanhado de um algarismo numérico, de forma a a diferenciar grupos e subgrupos.
Todavia, esses diversos tipos de fraudes não são excludentes entre si e, ao depender do agrupamento citado, podem aparecer cumulativamente ao longo da cadeia sucessória dominial dos imóveis analisados, sempre no sentido de expandir a apropriação indevida a cada momento oportuno, dependendo, às vezes, de alterações de regras de sistemas de gestão fundiária, ou simplesmente de operações fraudulentas em diversas esferas do poder público, seguindo as temporalidades da expansão do interesse privado para os novos territórios. Essas supostas irregularidades clareiam as estratégia de apropriação sobre a natureza e o território, bem como dão uma ideia do comportamento de diversos segmentos do campo e dos diversos poderes constituídos, notadamente do executivo e do judiciário.
Como pode ser observado na Tabela 3, os principais grupos de fraudes são as fraudes no registro de terras (C), fraudes na arrecadação de terras públicas (A) e fraudes nas demarcações judiciais (B). As fraudes por arrecadações das prefeituras municipais (A1), uma peculiaridade no estado do Piauí, e objeto das próximas análises, também se destacam nos subgrupos de irregularidades, aparecendo logo depois da fraude aumento indiscriminado de área no registro de imóveis (C2), conforme observa-se na Tabela 4.
As prefeituras municipais como elo na cadeia da grilagem de terras
Conforme observado na Tabela 2, as arrecadações irregulares promovidas por prefeituras municipais (A1) foi um subgrupo classificado dentro do grupo irregularidade na arrecadação de terras públicas (A) e tem uma relação direta com um regramento estabelecido na Constituição de 1947 sobre a demarcação de sobras de terras. Desde a Constituição de 1891, que a arrecadação de terras devolutas foi transferida para os governos estaduais. No caso do Piauí, poucos foram os esforços realizados no início do século XX para realização de tal feito, embora se soubesse com clareza dessa premente necessidade e da localização aproximada das terras com vazio de registro imobiliário, bastando para tanto, a realização das demarcações e arrecadações. Todavia, se as legislações estaduais para arrecadação das terras públicas foram pouco aplicadas, o Código Civil de 1916 e a Lei Estadual nº 964, de julho de 1920 ajudaram a clarear os processos de demarcação de terras particulares, impulsionando de forma decisiva esses processos no decorrer do século XX. O Código Civil também delimitou regras para arrecadação de terras públicas, visando proteger, pelo menos em tese, a terra devoluta da apropriação privada.
No caso do Piauí, o art. 4º do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Estadual de 1947 transferiu para os municípios as sobras de terras situadas nas respectivas jurisdições territoriais, desde que devidamente já arrecadadas pelo Estado.
Art. 4º. Passam a propriedade dos municípios as glebas de terras conferidas ao Estado em divisões de datas de domínio particular, situadas em seus respectivos territórios e que contenham carnaubais, maniçobais, oiticicais e babaçuais.
§ 1° - As sobras de terras que estão no domínio do Estado previstas no artigo anterior e todas aquelas que não tenham carnaubais serão exclusivas dos municípios, não podendo ser alienadas, a qualquer título, salvo aquelas que estejam apossadas por particulares e as que já tenham sido requeridas à repartição competente pelo interessado (PIAUÍ, 1947, pp.43-44).
Esse regramento foi decisivo para a utilização de prefeituras municipais dentro da estratégia de arrecadação de terras e apropriação sobre a natureza por particulares e ocorreu em diversos municípios, embora de modo enviesado. Com base no disposto no artigo citado, as terras que seriam transferidas para o patrimônio municipal tratavam-se das sobras devidamente arrecadadas pelo Estado até a promulgação daquela Constituição Estadual de 1947, cláusula pela qual se excluía a arrecadação de terras devolutas e de ausentes ou desconhecidos. Entretanto, isso geralmente não foi observado pelos gestores municipais, certamente pela possibilidade ainda maior de controle dos processos de destinação das terras pelas oligarquias locais, conforme esclarecidos em diversos pareceres jurídicos, a exemplo do que se segue:
A expressão contida no § 1º “que estão no domínio do Estado previstas no artigo anterior” fixa no presente, ou seja, na data da promulgação da Constituição, o cumprimento da condição ali expressa, ou seja, somente áreas de sobras de terras demarcadas até a data da promulgação da Constituição, passaram para os municípios, estando excluídas as sobras decorrentes de demarcações posteriores. constata-se não poder originar-se das sobras da Data Sangue, pois estas perfazem um área somente de 27.133,2871 há (Freitas, 2001, s.p).
Importante ainda observar que grande parte dessas arrecadações de terras feitas pelos municípios (ou registradas como arrecadadas) se sobrepõem, justamente, as regiões de terras devolutas descritas no Relatório do Presidente da Província do Piauhy, de 27 de junho de 1959 (Couto, 1860), no Relatório da Repartição Geral de Terras de 1857, publicado em 1858 (BRASIL, 1858), no Relatório de 1859, publicado nem 1860 (BRASIL, 1860), e replicadas no livro Propriedade Territorial do Piauhy, do Desembargador Simplício Mendes (1928). Foram detectados 17 imóveis com irregularidades a partir da arrecadação por prefeituras municipais (32,08 % do total analisado), distribuídos nos municípios de Uruçuí, no Território Tabuleiros do Alto Parnaíba; Canto do Buriti e Francisco Aires, no Vales dos Rios Piauí e Itaueira; e Regeneração, no Entre Rios. Assim, dada a dipersão geográfica dessa fraude, identificada em vários municípios, compreende-se que foi uma importante estratégia de apropriação sobre a terra pública no Piauí na segunda metade do século XX. Um caso exemplar foi identificado na origem do imóvel Chapada Grande (Data Jacaré), situado nas chapadas entre Regeneração e Oeiras, reconhecida como uma região de terras devolutas, mas que foi demarcado a favor da prefeitura de Regeneração em 03 de abril de 1950.
É entendimento nesta procuradoria que esse dispositivo somente tem aplicação nas hipótese de sobras de terras em ações de demarcação e divisão transitadas em julgando em data anterior à constituição de 1947. Nesse diapasão, colhe-se que as certidões acostadas aos autos, que a sentença da ação de demarcação e divisão da Data Jacaré, foi proferida em 03 de abril de 1950, portanto, posterior à Constituição de 1947. Dessa forma, o município de Regeneração não detinha legitimidade para transferir domínio com base no dispositivo, consistindo a pretensão de transferência perpetrada pelo mesmo verdadeira transferência a non domino (Barros, 2005, s.p).
A velocidade de destinação de muitas glebas de terras recém adquiridas pelos municípios, deixam claro que o objetivo final dessas ações de arrecadação de terras não passavam de meras atividades intermediárias de apropriação por terceiros, como no caso do imóvel Coberta do Cipó, localizado no município de Francisco Ayres. Neste caso específico, o processo de arrecadação pela prefeitura municipal de Francisco Aires foi concluído no dia 20 de novembro de 1971, com a efetivação do registro imobiliário em nome do município em 23 de novembro de 1971. Já no dia seguinte, 24 de novembro de 1971, o imóvel foi transferido por escritura de compra e venda para a empresa Cajulândia do Brasil S.A. e registrado em 25 de novembro de 1971 (Nunes, 2013).
O caso do imóvel Chaveslândia, localizado no município de Canto do Buriti, que deu origem ao Fazenda Tavfer I, a irregularidade no aforamento pelo município chama ainda mais atenção. Nas certidões de cadeia dominial apresentadas no processo, restam indícios que o imóvel aforado sequer chegou a ser arrecadado em processo judicial, tendo a municipalidade gerado um título de transferência do imóvel com fortes indícios de serem terras devolutas estaduais (terras dos Gerais) mesmo sem registro anterior, conforme alertado no parecer transcrito a seguir:
Com efeito, o exame da certidão da cadeia sucessória dominial do imóvel não permite conclusão pela regularidade do destaque do patrimônio público para o privado, porque, definitivamente, ausentes, nesses processos, comprovação de registro imobiliário em nome do município de Canto do Buriti, estando encravado o imóvel em “terras dos Gerais”, e com elas se limitando. Não trouxe a interessada prova sequer da forma de aquisição do imóvel pelo município. É possível que o município de Canto do Buriti tenha, alvoroçado, imaginado proprietário do imóvel, por se tratar, quem sabe, de área destinada ao Estado do Piauí, como sobras (Moura, 2006, s.p).
Todavia, no município de Uruçuí encontramos os casos mais emblemáticos, dada a quantidade de terras griladas oriundas de aforamentos irregulares diagnosticadas numa mesma municipalidade, onde essa estratégia de apropriação sobre a terra e a natureza parece ter se expandido com maior naturalidade, numa clara demonstração da colonialidade. Em Uruçuí localizam-se as Datas Sangue e Pratinha, conhecidas nos órgãos fundiários como foco de grilagem de terras, dadas as irregularidades no destaque do patrimônio público para o privado confirmadas pelo Estado, além da Data Flores, onde também foram reconhecidos vícios na origem da cadeia dominial em pelo menos um imóvel rural.
O caso da Data Sangue segue o mesmo padrão de irregularidade do imóvel Chaveslândia, situado em Canto do Buriti, ou seja, oriundo de aforamento municipal sem existência de registro anterior em nome do município, supostamente localizadas em sobras de terras arrecadadas após a Constituição Estadual de 1947. No caso específico dessa Data, há ainda mais um agravante: não obstante todas as sobras de terras no momento de sua demarcação terem sido identificadas com uma área aproximada de 27 mil hectares, a prefeitura de Uruçuí aforou três grandes glebas, uma de 30 mil hectares, outra de 20 mil hectares e mais uma de 19,9 mil hectares. A soma dessas áreas, de 69.982 hectares, portanto, uma área muito superior à área de sobras, foi inclusive, superior a área total demarcada da própria Data Sangue, que foi de 65.938 hectares. A localização dessa Data sobre as chapadas próximas ao rio Uruçuí e nas adjacências de terras devolutas, deixam claro que as terras aforadas pela prefeitura se tratavam, na realidade, de terras devolutas estaduais. O parecer jurídico transcrito a seguir, elucida a problemática fundiária da Data Sangue:
Considerando-se que a Ação de Demarcação e Divisão da Data Sangue foi homologada por sentença em 19.02.1954, logo em data posterior à promulgação da Constituição de 1947, as sobras de terras ali consignadas na folha de pagamentos nº 24, pertencem ao domínio do Estado do Piauí. Assim, o município de Uruçuí não sendo proprietário não tem legitimidade para transferir domínio útil do imóvel, condição prevista no art. 678 do Código Civil para eficácia do aforamento. Cumpre ressaltar que além do imóvel Fazenda SANGUE, desmembrado de uma área de 30.000 hectares, tramitam nesta Autarquia mais dois processos de relativos ao cancelamento de CCIR, localizados no município de Uruçuí, que também foram objeto de aforamento pela prefeitura municipal, e localizados nas sobras da Data Sangue, tendo como enfiteuta o Sr. Afonso Martins Barros: o imóvel Fazenda COBASA, com área de 20.000 hectares e o imóvel Fazenda MERCEDES com área de 19.982,2 hectares. Considerando-se que o somatório da área dos três imóveis, acima mencionados, é igual a 69.982,2 hectares, área superior a área total da Sangue (65.938 hectares, memorial descritivo, fls. 82, 1º volume autos demarcatórios) constata-se que não podem originar-se das sobras de terras da Data Sangue, pois estas perfazem somente 27.133,71 hectares. Obviamente, conclui-se que através do instituto da enfiteuse o Sr. Afonso Martins Barros apropriou-se de extensa área de terras, de propriedade do Estado do Piauí, com a conivência da Prefeitura Municipal de Uruçuí, burlando, assim, o dispositivo constitucional vigente à época - art. 156, § 2º da Carta Federal de 1946, que condicionava à prévia autorização do Senado Federal, qualquer alienação ou concessão de terras públicas com área superior a 10.000 hectares (dez mil hectares) (Freitas, 2012, s.p.).
Como se observou na descrição do caso da Data Sangue, a apropriação sobre as terras públicas devolutas podem se valer de diferentes estratégias. Nesse caso, além do aforamento de sobras de terras não arrecadadas pela Prefeitura de Uruçuí e, reivindicadas para si extemporaneamente, ocorreu ainda um aumento da área aforada para além da área de sobras de terras, deixando claro que tal expansão de área (de 27 mil para 70 mil, aproximadamente) se deu a partir da apropriação sobre as terras devolutas estaduais. Dos processos de imóveis com cadeia dominial irregulares encerrados dos quais foram coletados dados na presente pesquisa, 07 (sete) se referem a Data Sangue (Ver Quadro 1). O grande número de processos encerrados no município de Uruçuí, se justificam por duas questões: pelo interesse na apresentação de documentação pelos proprietários para o encerramento dos processos e desobstrução dos imóveis, já que localizados numa região de alto dinamismo do agronegócio, onde estão instaladas grandes empresas do ramo de commodities no Piauí; e a alta concentração de terras devolutas e grilada no município, que se estendem por três supostas Datas de Sesmarias.
O caso da Data Pratinha, também segue o mesmo padrão de irregularidade, ou seja, aforamento de sobras de terras supostamente adquiridas nos termos do Art. 4º dos Atos das Disposições Transitórias da Constituição Estadual de 1947, sem, contudo, existir terras destinadas ao Estado na demarcação da Data, a qual foi somente homologada em 1956 (Moura, 2012). Na demarcação da Data Pratinha, a única gleba destinada a prefeitura municipal, foi uma área de 76,5600 hectares, e mesmo assim foram aforados mais de 20 mil hectares para Luiz Gonzaga Franco, que por si já representa uma área superior a área total demarcada da Data Pratinha, que foi de 18.202,8886 hectares (Soares, 1955). Além disso, considerando apenas os 06 (seis) processos analisados na presente pesquisa localizados na referida Data, encontramos, pelo menos, mais 05 (cinco) aforamentos municipais, que perfazem, mais uma área de 8.092,6185 hectares, deixando fortes indícios que esses aforamentos abarcaram muito mais terras devolutas, eis que muitos imóveis já sofreram desmembramentos com a consequente pulverização de áreas e que não foram abarcados pela ação de fiscalização de dados cadastrais.
No caso da Data Sangue, embora as terras tenham sido arrecadadas pela Prefeitura em 1954, só começam efetivamente serem aforadas em meados da década de 1980, mas com um significativo aumento no início da década de 2000, o que demonstram que deviam ser terras marginais ao mercado imobiliário até o início deste século XXI. Caso idêntico é o dos imóveis localizados na Data Pratinha. Demarcada em 1956, os aforamentos da prefeitura só começaram em 1981, mas o grosso das entradas no mercado de terra só vão ocorrer no final da década de 1990, na esteira das análises de mercado realizadas por Monteiro e Reydon (2006) e Alves (2009). Nesses dois casos, observa-se que a prefeitura foi utilizada como estratégia de reserva da terra para entrada no mercado no momento oportuno, ou seja, quando do interesse da agronegócio exportador, num claro sentido de favorecer os novos processos de colonização, marcas da colonialidade. Revela ainda uma face complementar da participação das prefeituras e cartórios no esquema de grilagem de terras, pois embora a demarcação dessas Datas tenham ocorrido na década de 1950, os aforamentos vão ocorrer anos mais tarde, quando se inicia a especulação imobiliária no local, e destinando quantias de terras que nunca foram verdadeiramente arrecadadas.
Considerações finais
As narrativas em torno da “segurança jurídica”, que constroem a noção da moderna propriedade da terra no Brasil, estão desde o período colonial e imperial amparados pela colonialidade. O apoio constante do estado aos processos de regularização de terras pelos latifundiários deixam bem claro que a questão central da terra nunca foi ligada a princípios de legalidade ou a princípios de moralidade, porque a grilagem na formação dos latifúndios está longe de ser exceção. Sempre estiveram ligados, sobretudo, a garantia de apropriação sobre o território, a natureza e os recursos naturais pela minoria de colonizadores, no sentido de incorporar as terras ao mercado mundial de terras. Nesse sentido, a colonialidade já operava nas mentes das populações do território colonizado a ponto de banalizar a grilagem de terras como meio para tornar a terra produtiva. A terra deveria ser controlada por quem tivesse meios para cultivá-la, no sentido da geração de riquezas no circuito capitalista. Na contramão dessas ideias, o uso tradicional dos territórios se torna sinônimo de desperdício de terra. Os fins justificavam os meios.
A grilagem de terras, talvez seja uma das mais simbólicas marcas da colonialidade no Piauí, porque ela se mantém como uma testemunha constante ao longo da história agrária, fazendo a contemporaneidade da vida republicana (e o futuro, porque não estancada) se encontrar recorrentemente com o passado imperial e colonial, seja para buscar justificativas e provas para regularizar os latifúndios, seja para o amparar as posições conservadoras jurisprudenciais baseadas nas lacunas da legislação. Mas ela deixa vestígios das estratégias mais vis na apropriação sobre a natureza e o território, que embora ocultadas por longos períodos, como no caso do uso das prefeituras municipais, ressurgem como uma mancha histórica criminosa persistente, também como uma alerta a apontar outros caminhos melhores. A grilagem de terras é uma prova atual que a problemática fundiária não pode ser creditada somente as raízes históricas do período colonial.
Assim, a tolerância com a grilagem de terras tem uma relação direta com a não consolidação completa da apropriação sobre a natureza pelos segmentos capitalistas, o que pode ser observado nas ideias contidas nas justificativas do próprio estado e no afrouxamento das normas federais. Ela é uma função inerente ao próprio sistema-mundo capitalista moderno-colonial, que segue sendo operacionalizada para a apropriação sobre a natureza, os recursos naturais e os territórios, seja com base nas lacunas legais, seja com base na leniência do Estado, uma característica da colonialidade, sempre no sentido de abarcar as terras ainda não incorporadas aos circuitos capitalistas. Assim, é na espera pela completa incorporação da terras a esses circuitos que se ancora a grilagem de terras, que se mostra, portanto, como uma função inerente ao próprio sistema-mundo capitalista moderno colonial
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Antes da edição dessa portaria já existiam ações de fiscalização dos dados cadastrais dos imóveis, mas o objetivo era depurar as informações do Sistema Nacional de Cadastro Rural, a exemplo das diferenças das áreas cadastradas por município e a área real do município, ou apurar as verdadeiras condições de uso da terra e efetuar a classificação fundiária. Cabe ainda lembrar, que até o ano de 1990 a apuração do Imposto Territorial Rural era realizada pelo INCRA, mas a Lei nº 8.022, de 12 de abril de 1990, transferiu a competência de arrecadação e administração do ITR para a Receita Federal (BRASIL, 1990).
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Cadeia sucessória dominial é a sequência cronológica de registros de todas as transmissões de domínio ocorridas sobre um determinado imóvel, desde o destaque do patrimônio público através da emissão de títulos (de doação ou compra e venda, por exemplo) direta do órgãos federais, estaduais e municipais; pelo reconhecimento pelo poder judiciário, como em ações de demarcação e usucapião, por exemplo. A cadeia dominial representa e relação entre todos os proprietários com determinado imóvel, desde o primeiro que recebeu o título de domínio direto do poder público até o atual. O encadeamento sucessório dominial representa a garantia do princípio da continuidade do registro imobiliário, protegendo a transcrição ou inscrição sem prévio registro do título anterior e foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n° 18.542/1928 (art. 234), que regulamentou o registro público estabelecido pelo Código Civil de 1906 (BRASIL, 1928).
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Todos os normativos que orientavam a realização da fiscalização cadastral com o objetivo de combate a grilagem (Portaria/INCRA nº 558/1999, Portaria/INCRA nº 596/2001; e Portaria/INCRA/P nº 12, de 24 de janeiro de 2006), sempre se referem aos diagnósticos fundiários de suspeita de grilagem como irregularidades ou inconsistência na cadeia dominial sucessória. A exceção é a Instrução Normativa/INCRA/nº 28, de 24 de janeiro de 2006 (regulamenta os procedimentos internos para dar cumprimento a Portaria/INCRA/P nº 12/2006), no qual o governo federal assume explicitamente promover a ação de “fiscalização cadastral, visando o combate a grilagem de terras e combate ao trabalho análogo ao de escravo” (BRASIL, 2006b). Já na Portaria/INCRA/n° 326/2017, os termo combate a grilagem de terras e combate ao trabalho análogo à escravidão desaparecem do texto oficial (BRASIL, 2017).
Datas de Publicação
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Data do Fascículo
Jan-June 2024
Histórico
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Recebido
05 Nov 2022 -
Aceito
05 Mar 2023