Sob a organização de Michel Silva, a obra apresenta onze artigos que tratam dos diversos aspectos relacionados à Maçonaria no Brasil. Das formas encontradas para caracterizar e trabalhar essa instituição, os autores, das mais diversas áreas das ciências humanas, relacionam a existência dos pedreiros livres com fatos da história brasileira, não em uma perspectiva de únicos protagonistas ou responsáveis pelos acontecimentos, mas tratando de apresentar até onde sua influência ideológica, política e cultural se apresenta no bojo da sociedade brasileira.
Michel Silva é graduado e mestre em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina, e atualmente é doutorando em História pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atua no Instituto Federal Catarinense, desenvolvendo pesquisas, organizando eventos, editorando e publicando obras de caráter educacional e historiográfico. Suas pesquisas são focadas na cultura política no Brasil do século XX, e nisso se inclui o estudo da Maçonaria, que desde o século XIX até os dias atuais está presente nos embates ideológicos que formam a identidade política brasileira.
Como argumenta o organizador, o livro não possui como objetivo fazer uma "propaganda ufanista da maçonaria", idealizando sua existência e seus aspectos ideológicos, porém tampouco pretende "reproduzir os discursos que demonizam a instituição". Trata-se de um debate acadêmico em que o olhar sobre a Maçonaria desvia-se de tais perspectivas, analisando a organização como um "fenômeno sociopolítico inerente à sociedade moderna".
A obra é encabeçada pelo artigo do organizador, no qual são tratados aspectos relacionados a uma historiografia da Maçonaria no Brasil. Para isso, destaca as obras de José Castellani, autor de uma vasta bibliografia sobre o assunto, dentre as quais está a "História do Grande Oriente no Brasil", originalmente publicada em 1993, uma história considerada oficial desta instituição. Para Michel Silva, a estruturação narrativa da obra possui dois eixos: "De um lado, descreve-se o desenvolvimento do GOB enquanto obediência maçônica nacional, citando e transcrevendo documentos" (...) "Por outro lado, identifica-se de que forma a Maçonaria atuou em processos políticos relevantes para as mudanças na situação política do Brasil, como a Proclamação da República". Ou seja, estabelecendo narrativa linear e neutra onde se limita a apresentar os acontecimentos, pouco dialogando com as inovações historiográficas das últimas décadas, em que a linearidade se traduz como uma forma positivista de narrar a história e a neutralidade não passa de um discurso intelectualmente construído.
No âmbito acadêmico, Michel Silva destaca a obra O poder da maçonaria, escrito pelos historiadores Marco Morel, doutor em História pela Universidade de Paris, e Françoise Jean de Oliveira Souza, doutora em História do Brasil pela UERJ. O livro aborda a atuação política da Maçonaria nos séculos XIX e XX, sistematizando os avanços das pesquisas sobre o tema e desenvolvendo os conceitos de cultura política e sociabilidades. Ambas as obras são consideradas pontos de partida e leitura necessária para jovens estudantes e pesquisadores começarem a se debruçar sobre o estudo da Maçonaria do ponto de vista historiográfico.
A própria Françoise Souza está presente na obra, em seu artigo que trata de organização, preceitos e elementos da cultura maçônica. O texto apresenta a temática da Maçonaria como um reflexo dos estudos da chamada Nova História Política, tratando de apontar os preceitos fundamentais da instituição segundo suas pesquisas: progresso, razão, liberdade, igualdade, moral e fraternidade, sendo a construção do ideário maçônico fruto da soma desses fatores. Nesse discurso, a humanidade, ao conquistar tais qualidades, atingirá a idade do ouro onde terá a plenitude moral. A maçonaria apresenta-se como a vanguarda para levar o homem a atingir a civilização.
Tais características e objetivos são moldáveis historicamente, visto que tais conceitos mudam de acordo com o tempo e espaço. Porém, a construção da coesão ideológica se faz compartilhando signos, regras, tradições, linguagens simbólicas e sociabilidades que a identificam para o resto da sociedade, e que faz pessoas de diversos lugares se sentirem unidas por esse vínculo. Tudo isso faz com que a maçonaria possa ser vista como um todo homogêneo. No entanto, sendo analisada mais de perto, "o tecido maçônico revela-nos no entrecruzamento de diferentes matizes que se mantêm unidos por pontos de interseção, que nada mais são do que os elementos constitutivos da identidade maçônica". Ou seja, construções apresentadas do ponto de vista do costume, tradição ou imaginário, e dificilmente da razão apregoada como um de seus princípios constituintes.
Bruna Melo dos Santos traz à tona a relação entre Hipólito José da Costa1 e a Maçonaria. Através da imprensa, Hipólito José da Costa apresenta a maçonaria como uma instituição que, tendo como objetivo claro a sociabilidade, ajuda a construir virtudes patrióticas entre seus cidadãos, além de instruí-los sobre a moral e os bons costumes. O artigo explora a prisão de Hipólito da Costa após a acusação de pertencer a Maçonaria, fato considerado crime de heresia pela inquisição. O réu ficou preso por quase três anos (de 1802 até 1805), quando conseguiu fugir e se exilar em Londres sob a proteção do Duque de Sussex, também maçom. As fontes utilizadas para tal fim foram os autos do processo inquisitorial, comparando-a com a sua Narrativa da Perseguição, uma autobiografia que fala sobre seu processo e prisão. Nessa comparação, a autora traz alguns pontos silenciados pelo autor em suas narrativas e que constam no processo, como o fato deste não ter sido tão audacioso nos seus depoimentos no que se refere à defesa de sua participação na maçonaria, quanto relatou em seu livro de memórias. Ao mesmo tempo, a autora questiona o fato de, no processo, o réu ter suas falas mediadas pelo inquisidor, concluindo que essa suposta falta de coragem não anula sua atividade pró-maçônica. O texto apresenta novas fontes e traz como pertencer a essa organização gerava desconforto as autoridades constituídas em Portugal, visto que trazia em seu ideário ideias iluministas.
Tratando também da imprensa, porém de forma específica a Maçônica, Thiago Werneck Gonçalvez traz um panorama dessa forma de comunicação direta da organização com seu público específico na década de 1870. Os boletins maçônicos eram espaços para debates políticos e ideológicos sobre a cultura política da Corte, tendo como foco um projeto modernizador para o Brasil. A instrução do povo e o aprimoramento da ciência levariam à racionalidade moderna e, consequentemente, ao progresso e a civilização,ambas entendidas numa concepção iluminista. O antigo era visto como atraso, o que gerou críticas de diversas instituições, como a Igreja Católica.
O fundamentalismo dos ultramontanos católicos era o entrave à civilização. Uma das características da instituição era a obrigação de seus membros de crer em alguma deidade de maneira geral, porém isso não estava vinculada a alguma religião específica visto que defendiam a liberdade de crença. Tais ideias lhes colocavam em conflito com a visão de mundo ultramontana. Debate atual, para os maçons o ensino laico era considerado necessário para o desenvolvimento do cientificismo iluminista, em contraponto ao ensino difundido nas escolas de ordens religiosas visto com símbolo do atraso de nossa civilização.
A maçonaria no Estado do Ceará é trabalhada por Berenice Abreu de Castro Neves, no contexto após a vinda da Família Real para o Brasil, em que as províncias lutavam por mais autonomia, até o final do século XIX. No começo a maçonaria trabalhava em segredo, pois os clubs secretos serviam de preparação desses movimentos conspiratórios. Para a autora, a prosperidade e os ares urbanos da cidade de Aracari foram requisitos essenciais para a formação da primeira Loja. "Para a elite, mais precisamente para os homens, a loja ocupava um espaço essencial de sociabilidade, ao mesmo tempo em que também exercia a possibilidade do debate político". Essas elites e esse debate político estarão no cerne das fundações das principais Lojas do Ceará, inclusive quando se consolida a hegemonia de Fortaleza como polo econômico mais importante da província.
Já no final do século, as Lojas em destaque possuíam em seus quadros médicos, advogados, engenheiros, jornalistas, farmacêuticos vindos de Pernambuco ou mesmo locais, uma camada de ilustrados que levantavam várias bandeiras, dentre elas a instrução popular e pública, registro público, liberdade religiosa e separação do Estado e da Igreja. O artigo demonstra a relação direta da cultura política regional com os ideais e ideias defendidas - e muitas vezes contestadas - pelos membros das Lojas Maçônicas.
Outro artigo que mostra de forma específica a Maçonaria em uma capitania é o de autoria de Luaê Carregari Carneiro Ribeiro, que demonstra as relações entre a formação do Partido Republicano Paulista e a instituição. Destaca a atuação da Loja América, que reunia parte da liderança do movimento republicano paulista, e do jornal Província de São Paulo, órgão de propaganda de Partido Republicano, em que dois redatores que figuravam no quadro da Loja. Dentre seus campos de atuação estava a ideia de educação como meio de trazer a "Luz do Conhecimento" para a população analfabeta. A discussão maçônica acerca do modo de educação a ser aplicado no Brasil possuía um forte traço anticlerical, fazendo com que Maçonaria e Igreja disputassem a formação de mentes. A autora narra o trabalho da Loja América em fundar escolas para, se contrapondo as escolas clericais consideradas elitistas, difundir sua ideologia as camadas populares. Menciona também a formação de uma economia de favores e interesses dentro da instituição, onde se estabeleciam relações de poder informais baseadas no clientelismo, e no maior peso econômico dos fazendeiros da região cafeicultora paulista.
Milena Aparecida Almeida Candiá explora a questão do movimento associativista pela expansão da educação popular no Brasil, defendidas pela maçonaria nas últimas décadas do século XIX. Contrários ao monopólio da Igreja na educação, lutavam pelo ensino livre através do associativismo, sendo a associação maçônica também uma das responsáveis pelos projetos dessa natureza. O artigo aborda as iniciativas de educação popular encabeçadas pela maçonaria em diversos lugares, onde a instituição foi responsável pela abertura de escolas, bibliotecas e promoção de cursos. No Brasil, a maçonaria assumiu uma posição pedagógica no intuito de construir uma nova identidade nacional. Para isso, a educação deveria ser modernizadora e secularizada, em contraponto com o projeto católico de formação de uma elite. Nas escolas abertas pela maçonaria, o foco associativista demonstrava que as iniciativas de expansão da escolarização popular são particulares, sendo a Maçonaria a protagonista do processo, passando seu ideário político as camadas populares, tendo o Estado um papel suplementar.
Maçonaria e Espiritismo, e suas relações com os trabalhadores de Pelotas entre 1877-1937, são debatidos no artigo de Marcelo Freitas Gil. Segundo o autor, ambas as instituições tiveram e têm grande importância e presença social na cidade, influenciando inclusive o movimento operário pelotense. Tratando dos primeiros espíritas e dos seus fundamentos religiosos e políticos, coloca que as condições precárias de vida dos trabalhadores imigrantes em meados do século XIX, em contraste com a opulência da elite, será um dado favorável à penetração do espiritismo naquela sociedade. A ideia de renascimento das almas no Espiritismo sob o jugo da lei do carma, interpretada sob uma ótica conformista, servia aos interesses da burguesia. Outros viam na progressão dos espíritos e melhoria moral do ser humano uma forma de revolucionar a sociedade e pôr um fim aos problemas sociais, como a exploração e a luta de classes. A fundação das primeiras lojas maçônicas no século XIX e XX trazia a questão de disciplinar a classe trabalhadora em sua doutrina, através da formação de centros educacionais para operários, também com o intuito de libertá-los dos valores católicos, símbolos do atraso intelectual.
Novamente trazendo o Estado do Ceará à discussão, o autor Marcos José Diniz Silva apresenta as ideias da maçonaria no complexo contexto social de 1935, onde duas forças políticas antagônicas irão se formar e disputar corações e mentes: de um lado, os integralistas de inspiração fascista e os membros da Aliança Nacional Libertadora, de predominância comunista. Num primeiro momento, os maçons tendem a apoiar a Aliança, visto que a religião se mostra como um ponto fundamental de discórdia entre os grupos. Aponta o autor que os integralistas possuíam uma perspectiva tradicional com clara afinidade e apoio ao contingente católico; já o movimento aliancista agregava adeptos de todas as religiões, como também elementos de esquerda adeptos ao materialismo-histórico. O artigo trata da mudança dos maçons, não para o integralismo, mas para uma posição contrária a ambos os movimentos, onde nenhum representaria as lojas maçônicas, devido à ausência das liberdades consideradas por tais membros fundamentais.
A ditadura militar instaurada em 1964 e o apoio da maçonaria ao golpe ao regime foram tratados por Tatiana Martins Alméri. Para a autora, devido a tal apoio o Grande Oriente do Brasil não foi molestado como instituição, embora a repressão tenha agitado a intimidade dos templos. Segundo a autora, é visível a perseguição a alguns membros da maçonaria com tendências socialistas ou que apoiavam o governo deposto. O artigo trabalha com entrevistas a membros da organização na época das mais diferentes tendências e profissões, debatendo a instituição como um poder, trabalhando a relações entre as autoridades maçônicas que também eram militares ligados a ditadura e a posição da Maçonaria na época da ditadura militar. O texto demonstra como uma instituição, que no discurso se diz defensora da liberdade e igualdade, apoiou uma situação governamental contra os princípios que preconizava, demonstrando que a disputa de poder e sua manutenção como instituição eram mais importantes do que a liberdade que propagavam.
No encerramento do livro os discursos pró e antimaçonaria no interior de Minas Gerais são trazidos a baila, especificamente na cidade de Rio Novo. Diferente da cordialidade que existe hoje entre Igreja Católica e Maçonaria, através da história oral Luiz Mário Ferreira Costa demonstra a ideia da conspiração maçônica que poderia ser interpretada no Código de Direito Canônico de 1917, quando estabelece que a relação entre Maçonaria e Igreja era incompatível. Diversos casos de proibições impostas a maçons são narrados e debatidos, extraindo-se as ideias que a Igreja e os cônegos impunham a membros da instituição. Longe de colocar os maçons como vítimas, apresenta a obediência dos padres as ordens do Vaticano como o fundamento desse discurso antimaçonaria, trazendo aspectos que fazem, ainda hoje, perdurar a desconfiança sobre os pedreiros livres, devido aos segredos e mistérios que possuía e possui.
Democrática, demoníaca, libertária, liberal, iluminista, secreta, misteriosa. Adjetivos presentes em textos que tratam das temáticas relacionadas à maçonaria em blogs, sites, livros e doutrinas, nada disso escapa das análises trazidas na obra, onde todos esses conceitos e muitos outros são apresentados como discursos e construções sobre uma instituição presente na cultura política brasileira desde a formação do país. O rico debate acadêmico apresentando nesse livro demonstra o quanto a Maçonaria, com suas sociabilidades e suas ideias, fez e faz parte da cultura política nacional, e também que as discussões acerca de sua existência e de seu modo de agir são muito mais complexos do que o maniqueísmo que no mais das vezes é apresentado ao se descrever e falar sobre essa organização.
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Nasceu na Colônia do Sacramento, às margens do Rio do Prata (hoje território do Uruguai), em 25 de março de 1774, quando o território fazia parte da Coroa Portuguesa. Estudou Direito e História em Coimbra. Em Londres, exilado, publicou o "Correio Braziliense", jornal proibido em todo império português. Devido aos artigos que pregavam liberdade de expressão, a independência do Brasil, além de condenar a aristocracia parasitária do Reino e a exploração econômica de Portugal em relação ao Brasil. Em função dos artigos que criticavam a política do governo português, a veiculação do jornal tornou-se ilegal. No entanto, o Correio Braziliense circulou de forma clandestina no Brasil e na metrópole portuguesa. Morreu em 11 de setembro de 1823, e desde o ano 2000 é considerado o Patrono da Imprensa no Brasil. Hipólito José da Costa [acesso em 27 out. 2015]: disponível em http://www.museudacomunicacao.rs.gov.br/site/museu/hipolito-jose-da-costa/
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Abr 2016
Histórico
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Recebido
06 Jun 2015 -
Aceito
30 Jun 2015