Open-access A antimaçonaria desvendada: conspirações, pactos satânicos e comunismo de Luiz Mario Ferreira Costa

Em sua mais recente obra, o historiador Luiz Mario Ferreira Costa faz uma feliz ironia com as muitas publicações que se propõem a contar verdades acerca da Maçonaria. O título A antimaçonaria desvendada acaba por fazer uma menção irônica a um conjunto de publicações desprovidas de caráter científico que abundam no mercado editorial e sempre se propõem a revelar algum segredo obscuro envolvendo a Maçonaria. Costa, por outro lado, inverte essa curiosidade, ao se dispor a fazer uma profunda análise dos discursos que se produziram contra a Maçonaria ao longo dos últimos séculos.

O livro, produto de sua dissertação de mestrado, tem como objetivo analisar as narrativas antimaçônicas difundidas no Brasil, em especial na primeira metade do século XX, destacando o livro História Secreta do Brasil (1937), de Gustavo Barroso (1888- 1959). Segundo Costa, “a ampliação da investigação historiográfica acerca da Maçonaria possibilitou ao historiador reconhecer que em paralelo à história da Ordem maçônica, corre também uma história das narrativas antimaçônicas” (pág. 18). Costa procura analisar no livro as diferentes formas assumidas ao longo dos séculos pelas narrativas antimaçônicas, desde a publicação das primeiras condenações à Maçonaria, a partir do início do século XVIII. Por outro lado, analisa a conjuntura de produção, edição e circulação do livro História Secreta do Brasil, buscando mostrar não apenas “as continuidades em relação a uma tradicional narrativa antimaçônica”, mas também “os novos elementos acrescidos que dialogavam com o clima de radicalização política e de crescimento do autoritarismo que caracterizou, particularmente, o Brasil da década de 1930” (pág. 22).

Conforme Costa, as narrativas antimaçônicas surgiram da associação feita entre Maçonaria e a ideia de “conspiração”, principalmente a partir do contexto das revoluções burguesas na Europa, construindo um conjunto de mitos acerca dos segredos que os maçons buscam guardar. Essa conspiração teria objetivos diversos, como “instaurar o reino de satanás, impor a anarquia, o comunismo, o capitalismo ou até mesmo a dominação judaica universal” (pág. 72). Costa afirma que a acusação de conspiração “não cessou de ser utilizada pelo poder estabelecido para livrar-se de seus suspeitos ou de seus opositores e com isso legitimar os expurgos e as exclusões” (pág. 19).

Costa estrutura sua obra em três capítulos, que visam demonstrar a construção histórica dessa mitologia acerca da Maçonaria. O primeiro capítulo do livro tem como objetivo realizar um estudo histórico das narrativas antimaçônicas, analisando, de início, “os aspectos que dizem respeito às origens da Ordem Maçônica” (pág. 22). Em um segundo momento mostra como a Igreja Católica foi o principal agente difusor do antimaçônico, como é possível verificar nas “inúmeras condenações e reprovações que determinaram a maneira como a Maçonaria foi recebida, sobretudo em Portugal e no Brasil” (pág. 22). Na segunda metade do capítulo Costa discute “os fatos que contribuíra no desenrolar da narrativa antimaçônica, responsáveis por atribuir à Maçonaria, dentre outras coisas, a culpabilidade e execução da Revolução Francesa” (pág. 22).

No segundo capítulo, Costa analisa a produção intelectual de Gustavo Barroso, tendo como “pressuposto que o conhecimento do perfil deste autor pode ajudar-nos a vislumbrar os objetivos implícitos e explícitos de seu discurso antimaçônico” (pág. 23). Para compreender as ideias de Gustavo Barroso seria preciso conhecer um pouco sua personalidade contraditória. Nesse sentido, sabe-se que, se, por um lado, “demonstrava sensibilidade ao organizar um museu e traduzir textos do precursor do romantismo alemão Goethe”, Costa, por outro “expressava todo o seu fanatismo como Chefe das Milícias integralistas” (pág. 23). O integralismo, que teve grande força política na década de 1930, era um movimento de extrema direita, bastante semelhante aos fascismos europeus, especialmente no que se refere ao discurso anticomunista e à defesa de uma poder estatal autoritário e centralizador.(1)

No terceiro capítulo do livro, Costa mostra como o antissemitismo e o anticomunismo contribuíram com numerosos recursos imagéticos no fomento de uma narrativa antimaçônica bastante particular, inaugurando no cenário político brasileiro o mito da “conspiração judaico-maçônico-comunista” (pág. 23). Nessa discussão, Costa analisa o alcance da ideologia antissemita, bem como aprofunda “o estudo acerca das diferentes apropriações do discurso anticomunista no Brasil, tendo como foco as manifestações de repúdio da Igreja Católica expressas fundamentalmente no discurso político partidário de Barroso” (pág. 23).

Costa, ao se propor a discutir o discurso antimaçônico, mostra a grande quantidade da produção dessas narrativas, que, por meio de uma produção de imagens caricaturais, em grande medida expressando certa diabolização da ordem, foi uma das principais estratégias de ataque à Maçonaria, em especial na segunda metade século XIX, chegando-se a considerá-la o “anticristo profetizado por Jesus” (pág. 72). Segundo Costa, “seja por razões de natureza religiosa, por desavenças políticas ou tão somente com o intuito de criar polêmica, o fato é que as chamadas narrativas antimaçônicas são tão ou mais abundantes do que as elaboradas pelos próprios maçons” (pág. 71). Por outro lado, Costa mostra a fragilidade dos mitos construídos acerca da Maçonaria, os caracterizando como criativos e pitorescos, “o que as tornam mais populares e frequentes na imaginação coletiva” (pág. 71). Constituem-se em narrativas simplórias, que se utilizam de símbolos e imagens comuns compartilhadas pela sociedade, alimentados pela ideia de supostas conspirações e misteriosos complôs.

Costa mostra também quanto as narrativas antimaçônicas ajudaram a construir uma supervalorização do “poder” da Maçonaria. Para Costa, ainda que a ordem tivesse outras finalidades, “a partir do momento em que os maçons conquistam maior visibilidade social e, consequentemente, começaram a requerer maior participação política, criou-se um ambiente potencialmente conflituoso” (pág. 203). No que se refere Gustavo Barroso, “para além das tradicionais denúncias de satanismo ou agentes da conspiração revolucionária”, o militante integralista “também procurou dar um tom político atual as suas acusações”, associando à ideologia comunista “os ideais maçônicos de igualdade e fraternidade universal” (pág. 204).

Cabe, por fim, destacar que o livro contribui em pelo menos dois sentidos para a historiografia acerca da Maçonaria. Primeiro, sistematiza o discurso antimaçônico desenvolvido no Brasil ao longo dos séculos XIX e XX. O conhecimento profundo desses discursos, onde qualquer fenômeno que seja considerado externo (judaísmo, comunismo, anarquismo, entre outros) é denunciado como nocivo, permite avaliar o processo de recrudescimento da repressão na sociedade brasileira, ao longo do século XX. Por outro lado, também no que se refere à contribuição historiográfica, a obra de Costa permite problematizar a própria inserção da Maçonaria na sociedade brasileira e mostrar os exageros tanto em atribuir a ela um papel decisivo em numerosos processos políticos de transformação política e social como em atribuir a ela todos os problemas que ocorrem no país. Em realidade, como o mostra Costa, trata-se de uma organização inserida na sociedade, que possui muitas heterogeneidades, expressando contradições e disputas, o que inclui inclusive muitos embates pela narrativa de sua própria história.

  • 1
    João Fábio Bertonha, Sobre a direita: estudos sobre o fascismo, o nazismo e o integralismo (Maringá: UEM, 2008).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2017
  • Aceito
    15 Mar 2017
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