RESUMO
Introdução: A adolescência é marcada por mudanças biopsicossociais e comportentais, as quais são importantes para a construção da autonomia durante novas experiências. Porém, alguns hábitos nessa fase podem conferir riscos à infecção pelo HIV.
Objetivo: Avaliar práticas de adolescentes escolares que conferem risco à infecção pelo HIV, contrastando aspectos comportamentais com o nível de conhecimento prévio sobre esta infecção.
Métodos: Trata-se de um estudo transversal, com abordagens descritiva, quantitativa e correlacional com 273 adolescentes de instituições públicas de ensino situadas em seis municípios brasileiros. Os dados foram coletados através de dois questionários, com foco no autocuidado e no nível de conhecimento sobre anatomia, fisiopatologia e fatores de risco da infecção pelo HIV. Foram utilizadas medidas de frequência absoluta e relativa, bem como testes de correlação de Pearson (p valor < 0,05).
Resultados: Ocorreu maior representatividade dos adolescentes escolares com faixa etária entre 16 e 17 anos e sexo feminino. Os resultados mostram comportamentos de risco de exposição ao HIV, como atividade sexual precoce (38,4%), uso de drogas (21,8%), múltiplos parceiros sexuais (40,4%) e sexo desprotegido (54,5%), cenário que não esteve relacionado necessariamente com déficit de conhecimento. Ainda, o estudo aponta que quanto mais precoce a sexarca ou uso de drogas, maior o número de parceiros sexuais durante a adolescência, sugerindo alto risco de infecção pelo HIV. Acerca do uso de metodologias interativas, estas se apresentaram como potenciais ferramentas na educação permanente em saúde.
Conclusão: Constatou-se importantes comportamentos de risco referentes à infecção pelo HIV, por escolares, e que essas práticas não estão necessariamente ligadas ao déficit de conhecimento sobre este agravo. As implicações deste estudo são direcionadas ao fomento de mudanças em práticas de profissionais da saúde e educação, bem como desenvolvimento de políticas públicas que visem à redução do comportamento de risco pelos adolescentes.
Palavras-chaves: Comportamentos-de-Risco-à-Saúde; Autocuidado; Estudantes; HIV
RESUMEN
Introducción: La adolescencia está marcada por cambios biopsicosociales y conductuales que son importantes para la construcción de la autonomía durante las nuevas experiencias. Sin embargo, algunos hábitos de esta fase pueden suponer un riesgo de infección por el VIH.
Objetivo: Evaluar las prácticas de población adolescente en edad escolar que suponen un riesgo para la infección por el VIH, contrastando aspectos conductuales con el nivel de conocimiento previo sobre esta infección.
Métodos: Se trata de un estudio transversal, con enfoques descriptivo, cuantitativo y correlacional con 273 adolescentes de instituciones educativas públicas, ubicadas en seis municipios brasileños. Los datos se recopilaron a través de dos cuestionarios, los cuales están centrados en el autocuidado y en el nivel de conocimiento sobre la anatomía, la fisiopatología y los factores de riesgo de la infección por el VIH. Se utilizaron medidas de frecuencia absoluta y relativa, así como pruebas de correlación de Pearson (valor p < 0.05).
Resultados: Se produjo una mayor representatividad de adolescentes escolares con grupo de edad entre 16 y 17 años y sexo femenino. Los resultados muestran comportamientos de riesgo de exposición al VIH, como la actividad sexual precoz (38.4 %), el consumo de drogas (21.8 %), la multiplicidad de parejas sexuales (40.4 %) y las relaciones sexuales sin protección (54.5 %); este último escenario no estaba necesariamente relacionado con el déficit de conocimientos. Aun así, el estudio señala que cuanto más temprano es el inicio sexual o el consumo de drogas, mayor es el número de parejas sexuales durante la adolescencia, lo que sugiere un alto riesgo de infección por el VIH. En cuanto al uso de metodologías interactivas, estas se presentaron como herramientas potenciales en la educación sanitaria permanente.
Conclusión: Se constataron importantes comportamientos de riesgo relacionados con la infección por el VIH, por parte de escolares. Asimismo, dichas prácticas no están necesariamente ligadas al déficit de conocimiento sobre este tema. Las implicaciones de este estudio se dirigen a la promoción de cambios en las prácticas de profesionales de la salud y de la educación, así como al desarrollo de políticas públicas dirigidas a reducir las conductas de riesgo de la población adolescente.
Palabras clave: Comportamientos-de-Riesgo-para-la-Salud; Autocuidado; Estudiantes; VIH
ABSTRACT
Introduction: Adolescence is marked by biopsychosocial and behavioral changes important for the construction of autonomy during new experiences. However, some habits during this phase may pose risk to HIV infection.
Objective: To evaluate the adolescents' practices that may pose a risk to HIV infection, contrasting behavioral aspects with the level of prior knowledge about this infection.
Methods: This is a cross-sectional study with descriptive, quantitative and correlational approaches applied to 273 adolescents from public educational institutions in six Brazilian municipalities. The data were collected through two questionnaires which focused on self-care and the level of knowledge about anatomy, pathophysiology and risk factors of HIV infection. Absolute and relative frequency measures were used, as well as Pearson correlation tests (p value < 0.05).
Results: There was a higher representativeness of 16-17 years-old and female school adolescents. The results showed risk behaviors for HIV exposure such as early sexual activity (38.4%), drug use (21.8%), multiple sexual partners (40.4%) and unprotected sex (54.5%); this was a scenario that was not necessarily related to the lack of knowledge. Notwithstanding, the study points out that the earlier the debut sexual activities or drug use, the greater the number of sexual partners during adolescence, suggesting a high risk of HIV infection. In regards to the use of interactive methodologies, these presented themselves as potential tools in permanent health education.
Conclusion: The study verified the important risk behaviors related to HIV infection by school adolescents, and also that these practices are not necessarily linked to the lack of knowledge about this issue. The implications of this study are directed towards the promotion of changes in practices of health and education professionals, as well as the development of public policies aimed at reducing the adolescents’ risk behaviors.
Keywords: Health-Risk-Behaviors; Self-Care; Students; HIV
Introdução
Globalmente, há cerca de 38 milhões de pessoas que vivem com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e uma incidência anual de 1,7 milhão de novos casos.1 No Brasil, desde 2017 foram notificados 342.459 novos casos2, cenário que pode ser explicado por fragilidades no processo de triagem, diagnóstico e/ou tratamento eficaz da infecção3, permitindo a continuidade da cadeia de transmissão do HIV.2
No público adolescente os dados epidemiológicos são alarmantes e marcados pelo aumento do número total de adolescentes com idade entre 15 e 19 anos vivendo com HIV/AIDS no mundo.4 No Brasil, entre os anos de 2008 e 2017, houve um aumento 600% na incidência da infecção pelo HIV.5 Alguns autores sugerem que esse fenômeno se deve aos comportamentos de risco, como o sexo desprotegido e o uso de drogas, os quais possuem relação direta com o estigma e a discriminação.6,7,8
Main e colaboradores9 realizaram um estudo com 2.548 adolescentes e observaram que os indivíduos que fizeram teste para detectar o HIV eram mais propensos a residir em áreas não metropolitanas (53.2%), ao uso de drogas injetáveis (4,8%) e à prática de relações sexuais desprotegidas (33,6%), em idades mais precoces (35.8%) e com múltiplos parceiros sexuais (48,5%). Ao longo dos anos, outros estudos sustentaram o comportamento sexual de risco e o uso de drogas como os principais fatores de risco para aquisição do HIV em adolescentes.4,10,11Mesmo diante desses fatores, o estigma relacionado ao HIV e o medo de discriminação em serviços de saúde desencorajam os adolescentes a buscarem a testagem diagnóstica, o aconselhamento médico e as práticas de prevenção.6
Contudo, as ações de educação em saúde como estratégia de prevenção contra esta infecção não ocorrem de maneira longitudinal em escolas públicas brasileiras, restringindo-se às práticas de ensino tradicionais, as quais são caracterizadas pela segmentação dos conteúdos e métodos de memorização.12 No entanto, novas metodologias ativas de ensino, como a Gamification, são capazes de melhorar o processo ensino-aprendizagem do adolescente sobre vários temas da saúde, incluindo a infecção pelo HIV e os seus desdobramentos.13
Diante disso, acredita-se que a investigação do(s): 1) comportamentos de risco para a infecção pelo HIV, 2) nível de conhecimento dos estudantes do ensino médio e 3) uso de metodologias ativas no processo ensino-aprendizagem possa fomentar capacitações de profissionais e ações de educação em saúde, além de viabilizar práticas de aconselhamento sobre comportamentos seguros na adolescência e discussões sobre o processo de testagem diagnóstica.
Este estudo buscou avaliar práticas de adolescentes escolares que conferem risco à infecção pelo HIV, contrastando aspectos comportamentais com o nível de conhecimento prévio adquirido em escolas públicas brasileiras. Por fim, verificou-se a potencialidade de metodologias ativas em melhorar o processo ensino-aprendizado dos estudantes sobre esta infecção.
Métodos
Trata-se de um estudo observacional de corte transversal, com abordagens descritiva, quantitativa e correlacional, realizado com alunos do segundo ano do ensino médio de escolas públicas estaduais da 12a Diretoria Regional de Educação (DIRED), situada na Mesorregião do Oeste Potiguar (MOP) do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil.
Partindo de um estudo piloto, adotamos o valor de 22,72% como o grau de heterogeneidade da população, com o nível do erro menor que 5% (e = 0,05) e nível de confiança do teste maior que 95% (α = 0,95), resultando em uma amostra mínima representativa de 251 alunos (para uma população de 3.526 estudantes). A seleção das escolas da MOP foi realizada seguindo a alocação estratificada proporcional. Após seleção das escolas, a amostra foi constituída por 273 escolares de ambos os sexos, sem restrições quanto à etnia, à cor da pele, à orientação sexual, à identidade de gênero e a classes e grupos sociais.
Os critérios de inclusão foram os seguintes: (1) estudantes regularmente matriculados no segundo ano de ensino médio e (2) que aceitaram participar da pesquisa, com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ou Termo de Assentamento Livre e Esclarecido. Foram excluídos desse estudo os alunos que não responderam ao questionário representado na Tabela 1 (resultados), nos dois momentos de aplicação. Este estudo foi aprovado pelo comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (CEP-UERN), sob o número 3.145.023, 13/02/2019.
O delineamento metodológico ocorreu em duas fases. A FASE 1 foi caracterizada pelo primeiro contato com os estudantes, por meio da aplicação de dois tipos de questionários. Esta fase teve o objetivo de diagnosticar os hábitos de autocuidado dos sujeitos (Questionário 01 - higienização corporal, vacinação, consultas médicas, uso de métodos contraceptivos, número de parceiros sexuais, uso de drogas, prática de exercícios físicos e nutrição) e o nível de conhecimento (Questionário 02, nos seguintes eixos relacionados à infecção pelo HIV e evolução da AIDS: anatomia; fisiopatologia; mitos versus conhecimentos científicos; e, por fim, fatores de risco).
Ainda na FASE 1, o Questionário 01 foi estruturado com perguntas objetivas sobre os hábitos de autocuidado, o qual foi respondido por 256 participantes. Associado a isso, aplicamos o Questionário 02 disposto com quatro questões objetivas e submetido a 273 participantes (Tabela 1). Ambos os questionários foram desenvolvidos para aplicação nesta pesquisa, não possuindo validação prévia.
Após o reconhecimento do estado educacional desses alunos e práticas de autocuidado, realizou-se a FASE 2. Neste momento, a equipe de tutores executou uma capacitação sobre os aspectos inerentes à infecção pelo HIV (anatomia, fisiopatologia e fatores de risco) com o uso de metodologias educacionais ativas, descritas em outros dois estudos14,15, apontadas na Figura 1.
Posteriormente, os tutores repetiram a aplicação do Questionário 02, contendo as mesmas quatro questões iniciais.
Aplicação de Metodologias Ativas no ensino dos quatro eixos referentes à infecção pelo HIV e a sua evolução para AIDS: o jogo das quatro cartas. MOP/RN.
A FASE 2 permitiu avaliar o conhecimento adquirido após as atividades educativas. Os dados coletados foram armazenados no programa Microsoft® Excel (versão 2013) e, após isso, submetidos à análise estatística descritiva e avaliação de correlações de Pearson por meio do GraphPad Prism® (versão 8.0.2).
Resultados
Participaram desta pesquisa 273 escolares com idade entre 15 e 19 anos (M=16,57), matriculados em 11 escolas públicas, situadas em seis municípios da MOP, Brasil. Em relação à localidade, 88% dos estudantes residem na zona urbana. Na estratificação do sexo, o feminino mostrou-se dominante (n=155; 56,77%). Após avaliação do estilo de vida dos escolares (FASE 1), verificamos comportamentos que podem conferir risco de infecção pelo HIV (Quadro 1).
Entre os Adolescentes com Vida Sexual Ativa (AViSAs, 38,67%, n=256), 18,75% não veem a camisinha como um método imprescindível, preferindo o uso de métodos contraceptivos (pílula anticoncepcional, injeção hormonal, tabelinha e/ou coito interrompido); 10,4% nunca utilizam a camisinha; e 8,4% não utilizam método algum. Quando perguntados sobre a idade em que iniciaram a atividade sexual, as respostas variaram entre 8 e 19 anos, com 78,9% dos alunos iniciando entre 14 e 16 anos.
Ademais, constatamos que quanto mais precoce se inicia a atividade sexual, maior é o número de parceiros ao longo da adolescência (Figura 2A), o que pode ser continuado na fase adulta, o que representa maior risco de exposição ao HIV.
Sobre o consumo de drogas, 21,9% (n=56) dos alunos relataram o uso atual ou em algum momento de suas vidas. Dentre elas, as mais frequentes foram o álcool (82,1%) e a maconha (35,7%), seguidos de outras (fumo/tabaco, crack, cocaína, entorpecentes, injetáveis, LSD). A média de idade ao iniciar o uso de drogas foi de 13,4 anos. Por fim, descobrimos que quanto mais precocemente os adolescentes iniciam o uso de drogas, maior número de parceiros sexuais ao longo desta fase (Figura 2B).
Correlação entre o número de parceiros sexuais ao longo da adolescência com o início da vida sexual (A, n=99) e uso de drogas (B, n=27). MOP/RN.
Com base nos comportamentos identificados como de risco em relação à infecção pelo HIV, diagnosticamos o aspecto educacional desses estudantes, a fim de verificar se déficits no processo ensino-aprendizagem poderiam estar relacionados com o estilo de vida desses escolares. A Tabela 1 resume os dados quantitativos em frequências percentuais dos acertos e erros cometidos pelos alunos no questionário avaliativo, nas FASES 1 e 2 do estudo.
Estratificamos o nível de conhecimento como baixo (0 a 49,9%), médio (50 a 69,9%) e alto (70 a 100%). Desse modo, na FASE 1, o diagnóstico situacional mostrou que os alunos possuíam níveis de conhecimentos satisfatórios nos quatro eixos de investigação: anatomia (médio), fisiopatologia (alto), aspectos gerais (médio) e fatores de risco (alto). Na FASE 2, houve crescimento dos percentuais de acerto após execução da prática de educação em saúde, qualificando os estudantes da MOP com alto nível de conhecimento em todos os eixos.
Discussão
Os resultados desta pesquisa mostram que os comportamentos que conferem risco à saúde e à qualidade de vida estão relacionados com o processo de construção da sexualidade dos adolescentes, incluindo o sexo sem o uso de camisinha (54,5%), uso de drogas (21,87%), múltiplos parceiros sexuais (40,4%) e Atividade Sexual Precoce (ASP), com sexarca (primeira relação sexual) menor que 15 anos (38,4%). Descobrimos, ainda, que a menor idade se correlacionou significativamente (p<0,05) com o maior número de parceiros sexuais, o que comprovadamente aumenta o risco de ISTs.16
Nesta fase juvenil, naturalmente, os sujeitos buscam se encaixar em espaços sociais que proporcionem satisfação, experiências e descobertas, bem como o desenvolvimento de seu caráter e da expressão de sua sexualidade.17Embora esses fatores sejam cruciais para que o adolescente alcance uma autodefinição sobre si, a experimentação de novas vivências pode ser perigosa, quando os ambientes não favorecem uma construção da sexualidade de modo saudável.
Anteriormente, um estudo realizado com 60.973 adolescentes brasileiros mostrou que 25% do grupo eram AViSAs; e destes, a maioria relatou ter a sexarca com uma idade igual ou inferior a 13 anos.18 De acordo com Vieira et al.19, a idade média da sexarca foi de 14,1 anos (n=499) e 47,3% dos adolescentes relataram a prática de relações sexuais desprotegidas. Fenômeno semelhante foi observado em nosso estudo, já que 54,5% dos adolescentes da MOP admitiram a não utilização obrigatória da camisinha. De fato, a baixa adesão do uso de preservativo é um importante fator de risco de infecção pelo HIV em adolescentes brasileiros, realidade que também foi observado em outros estudos.10,11,18,19
Nos estudos investigativos sobre os comportamentos de risco, os dados mostram que quando um comportamento é frequente em um determinado grupo, é provável que outros hábitos de risco também estejam associados11,18,19, cenário que foi observado em nosso estudo, isto é, descobrimos que a ASP está diretamente relacionada com o aumento de parceiros sexuais ao longo da adolescência; e quanto maior é o número de parceiros sexuais, mais precoce é a iniciação do uso de drogas.
Adentrando no contexto do uso de álcool e outras drogas, observamos que 22% (n=56) dos escolares já usaram drogas, com a idade média de iniciação do uso de 13,4 anos. Além disso, descobrimos que o uso precoce de drogas, sobretudo o álcool, se correlacionou significativamente (p = 0,0473) com o número de parceiros sexuais ao longo da adolescência. Essas evidências corroboram com os
resultados de Fuchs e colaboradores20, que observaram uma correlação entre uso de substâncias ilícitas e a maior incidência de múltiplos parceiros (p<0.001). De acordo com Ludwig et al.10, de fato existe uma relação íntima entre o uso de drogas e os comportamentos sexuais de risco. Nesse último estudo, realizado com 288 adolescentes norte-americanos, viu-se que 29,37% dos estudantes usaram várias drogas e que uma parcela mostrou-se dependente de uma das seguintes drogas: opióides (23,37%), maconha (31,54%) e cocaína (18,57%).10
A baixa adesão à busca por atendimento médico e à testagem diagnóstica para o HIV também foi outra fragilidade encontrada no autocuidado dos adolescentes participantes deste estudo. Isso porque menos da metade dos estudantes do grupo AViSA relataram a procura por atendimento e/ou aconselhamento médico, o que pode resultar em desinformação, diminuição da notificação de novos casos e perpetuação da cadeia de transmissão do HIV.2,21
Contudo, a obtenção de informações de modo pontual sobre fatores de risco e prevenção contra o HIV não necessariamente implicará em um comportamento seguro. Araújo e colaboradores mostraram que 96,4% (n=112) dos escolares foram orientados previamente sobre a importância do uso de preservativo, porém 24,1% (n=27) admitiram não usar a camisinha.22 Esse cenário evoca a importância da educação em saúde no meio escolar, pois, desse modo, o encontro entre o profissional de saúde e o adolescente será garantido; e, por meio dessa estratégia, as informações necessárias serão, continuamente, propagadas.
Esse pressuposto delineou os principais comportamentos que conferem risco à infecção pelo HIV. Diversos estudos apontam para o fato de que o estilo de vida desses adolescentes está diretamente relacionado com o nível de conhecimento que eles possuem.23,24Nesse sentido, após avaliarmos o nível de conhecimento dos alunos em relação à infecção viral, constamos que os sujeitos apresentaram níveis satisfatórios de conhecimento.
Curiosamente, a categorização do conhecimento em níveis médios e altos durante a FASE 1 se contrastam com o estilo de vida de parte dos adolescentes. Isso indica que o conhecimento adquirido não necessariamente implicará em hábitos de vida seguros, apontando para outros possíveis fatores que influenciam o comportamento de risco. Em razão disso, reiteramos a importância do entendimento holístico da infecção pelo HIV, através da prática de ações longitudinais de educação em saúde.
Anteriormente, as metodologias ativas utilizadas na FASE 2 foram apresentadas em dois estudos qualitativos do tipo relato de experiência14,15e mostraram-se como ferramentas promissoras na educação em saúde voltada para a infecção pelo HIV. Neste estudo, isso foi comprovado após a prática de educação em saúde realizada na FASE 2. Através desse experimento de intervenção, todos os eixos de investigação (anatomia, fisiopatologia e fatores de risco) mostraram percentuais de acertos elevados, em contraste com os percentuais da FASE 1.
De fato, a integração entre os conhecimentos em saúde e as práticas educativas inovadoras12,13mostra-se como uma ferramenta de construção e manutenção do autocuidado pelos estudantes do ensino médio de escolas públicas brasileiras, beneficiando também todo o meio comunitário no qual esses indivíduos estão inseridos.
Sobre as limitações deste estudo, os nossos resultados não possibilitam avaliar com exatidão a evolução comportamental desses adolescentes, já que ela sofre influência de aspectos educacionais, culturais, sociais e regionais. Além disso, destacamos a dificuldade de acesso às escolas públicas de regiões rurais e aquelas que apresentam maior vulnerabilidade social.
As implicações deste estudo são direcionadas ao fomento de mudanças nas práticas de profissionais da saúde e educação, especialmente na área da enfermagem. No cenário de educação em saúde, estes profissionais podem valer-se das metodologias ativas de ensino utilizadas nessa pesquisa, pois se mostraram potenciais ferramentas no processo ensino-aprendizagem sobre a infecção pelo HIV.
Por fim, ressaltamos que os dados dessa pesquisa são úteis para o desenvolvimento de outros estudos investigativos e de políticas públicas que visem à redução do comportamento de risco pelos adolescentes de escolas públicas do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil.
Conclusões
Os escolares do ensino médio de escolas públicas brasileiras demostraram um nível de conhecimento médio e alto sobre aspectos gerais e específicos inerentes à infecção pelo HIV. Embora tenham conhecimentos satisfatórios sobre esta infecção, parte dos adolescentes apresentam comportamentos de risco, como o sexo desprotegido, sexarca e uso de substâncias ilícitas, sugerindo que conhecimentos básicos em relação à prevenção do HIV não são, necessariamente, definidores de um comportamento seguro. Duas correlações foram encontradas, mostrando que quanto mais precoce ocorre a sexarca ou uso de drogas, maior a ocorrência de múltiplos parceiros sexuais pelos estudantes.
As metodologias ativas têm um importante potencial transformador do processo ensino-aprendizagem da infecção pelo HIV e estabelecimento da AIDS, bem como podem capacitar uma nova geração a utilizar os conhecimentos adquiridos, a partir delas, para modular os seus comportamentos, hábitos de vida e autocuidado, sendo estes fatores impactantes na vida adulta e no meio comunitário onde estão inseridos.
CONFLITOS DE INTERESSE
Os autores afirmam não haver conflitos de interesses.
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Datas de Publicação
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Data do Fascículo
Jul-Dec 2022
Histórico
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Recebido
23 Ago 2021 -
Aceito
11 Mar 2022