Open-access Percepção dos enfermeiros sobre o acolhimento e classificação de risco na Atenção Primária à Saúde (APS)

Percepción de los enfermeros sobre la acogida y clasificación de riesgo en la atención primaria a la salud

Nurses' perception on the reception and classification of risk in Primary Health Care

Resumo

Este estudo emergiu como uma proposta de mudança no processo de trabalho nos serviços de saúde que atendem a população, especialmente a demanda espontânea. O objetivo foi conhecer a percepção dos enfermeiros sobre a recepção e classificação de risco na atenção primária à saúde. Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa. Dezesseis enfermeiros entrevistados participaram. A análise dos dados resultou em três categorias: Conhecimento e responsabilidades da recepção, aplicabilidade da classificação de riscos e protocolos e dificuldades na recepção. Os resultados mostraram que os conceitos de recepção e classificação de risco são reconhecidos pelos enfermeiros, mas na aplicabilidade de ambos os processos encontram dificuldades na responsabilidade do acolhimento e no desconhecimento dos usuários em relação às formas de atenção. Conclui-se que, embora seja reconhecida a importância da recepção e sua resolução, confirma-se a necessidade de capacitação e criação de protocolos de endereçamento.

Palavras chave: Acolhimento; Atenção-Primária-para-Saúde; Enfermagem

Resumen

Este estudio surgió como propuesta de cambio en el proceso de trabajo en los servicios de salud que prestan atención a la población, en especial, a la demanda espontánea. El objetivo fue conocer la percepción de los enfermeros sobre la acogida y clasificación de riesgo en la atención primaria de salud. Se trata de un estudio descriptivo de enfoque cualitativo. Participaron 16 enfermeros entrevistados. El análisis de los datos resultó en tres categorías: Conocimiento y responsabilidades de la acogida, aplicabilidad de la clasificación de riesgos y protocolos, y dificultades en la acogida. Los resultados demostraron que el concepto de acogida y clasificación de riesgo son reconocidos por los enfermeros, pero en la aplicabilidad de ambos procesos encuentran dificultades en la responsabilización de la acogida y en el desconocimiento de los usuarios con relación a las formas de atención. Se concluye que aunque se reconoce la importancia de la acogida y su resolutividad, se constata la necesidad de capacitar y crear protocolos de direccionamiento.

Palabras clave: Acogimiento; Atención-Primaria-a-la-Salud; Enfermería

Abstract

This study emerged as a proposal for change in the work process in health services that pay attention to the population, especially spontaneous demand. The objective was to know the perception of nurses about the reception and classification of risk in primary health care. It is a descriptive study with a qualitative approach. Sixteen nurses interviewed participated. The analysis of the data resulted in three categories: Knowledge and responsibilities of the reception, applicability of the classification of risks and protocols, and difficulties in the reception. The results showed that the concept of reception and classification of risk are recognized by the nurses, but in the applicability of both processes they find difficulties in the responsibility of the reception and in the ignorance of the users in relation to the forms of attention. It is concluded that although the importance of reception and its resolution is recognized, the need to train and create addressing protocols is confirmed.

Keywords: Nursing; Primary-Health-Care; User-Embracement

Introdução

O fenômeno da superlotação nos Serviços de Emergência, caracterizado por leitos ocupados, pacientes acamados nos corredores, tempo de espera para atendimento acima de uma hora, tensão na equipe assistencial e pressão para novos atendimentos1 geralmente ocorre em razão de deslocamento da população em direção a esses serviços, configurando-os como principais prestadores de atenção à saúde e não de fato destinados a atendimentos emergenciais.2

A atenção primária em saúde (APS), enquanto coordenadora do cuidado no Sistema Único de Saúde (SUS), deve ser assumida como uma das prioridades do governo federal. Entre os seus desafios atuais destacam-se: àqueles relativos ao acesso e acolhimento, à efetividade e resolutividade das suas práticas, recrutamento, provimento e fixação de profissionais, capacidade de gestão/coordenação do cuidado e, de modo mais amplo, às suas bases de sustentação e legitimidade social.3

Dentre as ações e desafios da APS persiste a questão do atendimento conforme o grau de necessidade do usuário, pois, muitas vezes, estes chegam simultaneamente e com necessidades distintas. Para otimizar e garantir o atendimento à demanda espontânea, conforme o grau de necessidade, surge a avaliação de risco como ferramenta para este processo, possibilitando identificar as diferentes classificações de risco e situações de maior urgência.4

A acolhida consiste na abertura dos serviços para a demanda e a responsabilização pelos problemas de saúde de determinada região. Como a atenção básica representa a porta de entrada da comunidade aos serviços de saúde, é essencial proporcionar atendimento acolhedor a fim de diminuir as desigualdades e promover cuidado integral.5

O acolhimento inclui o desafio da garantia da integralidade no atendimento, sendo que para isso, faz-se necessário o dinamismo nas ações que resultem de um ato social que inclua tanto a objetividade ou subjetividade de seus atores, quanto suas falas e práticas.6

Nesse contexto, a presente pesquisa buscou conhecer a percepção dos enfermeiros sobre o acolhimento e classificação de risco, visto que o profissional enfermeiro tem um papel fundamental na atenção primária, influenciando na otimização do processo de trabalho relacionado ao atendimento à demanda espontânea.

Material e método

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa. Foi desenvolvido em Unidades Básicas de Saúde (UBS) de um município do Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Participaram da pesquisa profissionais enfermeiros que atuam nas UBS e mantêm contato direto com os usuários. Os critérios de inclusão foram: ser enfermeiro da UBS, independentemente do tipo de atividade exercida (gerencial, assistência, Estratégia de Saúde da Família), atuar na instituição por um período maior que um ano, haver aceito e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Para a entrevista foi utilizado um instrumento com questões semiestruturadas, contendo perguntas fechadas e abertas, permitindo ao entrevistado a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada.7 Todas as entrevistas foram gravadas e aconteceram em local reservado nas UBS, resguardando a privacidade dos entrevistados.

Inicialmente foram abordados 29 profissionais, destes, oito não se enquadraram nos critérios de inclusão propostos. Assim, foram selecionados 21 participantes, porém devido ao saturamento dos dados, realizou-se 16 entrevistas. Para preservar a identidade dos enfermeiros entrevistados, no decorrer das citações foram usados codinomes com a letra E seguido de numeral: E 01, E 02 e assim sucessivamente.

Utilizou-se a Análise de Conteúdo como técnica base da Análise Temática.7 Também foi utilizado como ferramenta para organização dos dados o programa Atlas.ti 7.0. O programa foi utilizado para quantificar a frequência das palavras.

Consideraciones éticas

A coleta de dados iniciou após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), sob o parecer 1.530.096.

Resultados

Do total de entrevistados, 15 eram do sexo feminino e 01 do sexo masculino, 05 com idade entre 26 e 30 anos, 05 entre 31 e 35 anos, 04 com idade entre 36 e 40 anos, e acima de 45 anos foram 2 entrevistados. Quanto ao tempo de trabalho na instituição, 12 trabalhavam de 1 a 2 anos, 02 entrevistados trabalhavam de 3 a 5 anos, e 2 dos entrevistados trabalhavam de 6 a 10 anos. Quanto à formação profissional, 9 apresentavam especialização, 02 residência e 2 mestrado.

A partir do software Atlas.ti®, permitiu-se o levantamento das palavras chaves para que posteriormente fossem categorizados, e assim, após a análise dos conteúdos das entrevistas, foram criadas três categorias, demonstradas no quadro a seguir:

Quadro 01. Categorias e unidades de registro resultantes da análise dos dados

Categoria: Unidade de Registro

Conhecimento e responsabilidades do acolhimento[...] Acolhimento pra mim é receber o usuário, fazer a escuta do motivo que o traz a unidade de saúde. [...] enfim, dar uma resolução à situação que trouxe ele até a Unidade de Saúde (E 05).

Aplicabilidade da classificação de risco e protocolos [...] A gente faz a escuta tenta qualifica. [...] Mas a gente não consegue classificar porque realmente não tem esse protocolo (E 09).

Dificuldades no acolhimento [...] Às vezes me pergunto será que não podíamos fazer um pouco melhor. [...] Porque eu acho que o nosso tempo é muito curto, são muitas atividades, muitas funções, na atenção básica tu absorve tudo. E a carga que a gente tem enquanto enfermeiro ela é muito grande. [...] Isso às vezes é frustrante (E 14).

Fonte: Coleta de dados, 2016.

CATEGORIA: Conhecimento e responsabilidades do acolhimento

Durante a coleta de dados, os entrevistados discorreram sobre seu conceito de maneira similar ao citado nos cadernos do Ministério da Saúde, o que fez perceber que os protocolos são usados como norteadores do processo de trabalho nas instituições, demonstrando que os profissionais enfermeiros utilizam como base literaturas fundamentais para a compreensão de todo o processo:

[...] Acolhimento pra mim é receber o usuário, fazer a escuta do motivo que o traz à unidade de saúde e tentar resolver a questão principal. [...] Enfim, dar uma resolução à situação que trouxe ele até a Unidade de Saúde (E 05).

[...] Para mim acolhimento é partir do momento que a pessoa, chega na unidade de saúde e não saia daqui sem pelo menos ter alguma palavra, sem ele ser acolhido pela unidade. [...] Então daqui ele não sai sem ter esse pouco de ajuda que a gente pode estar oferecendo para ele no momento (E 16).

Observou-se, também, que o acolhimento acontece de alguma maneira, mesmo que não da forma ampla e resolutiva na Unidade de Saúde, sua essência é percebida nas falas que citam os atos de receber e escutar as pessoas, condizendo, inclusive, ao que é observado na literatura de uma forma geral. Porém, na maioria das vezes, o entendimento do processo de acolher se resume à recepção, como demonstrado na fala abaixo:

[...] Qualquer pessoa que está ali na linha de frente, que faz o primeiro contato, que recebe esse usuário, que ele venha com toda essa demanda, ele realiza aquela escuta, ele faz uma orientação, não só escuta, mas tenta de alguma forma resolver alguma coisa, tenta esclarecer alguma dúvida, eu acredito que isso já é um acolhimento (E 07).

Durante a coleta de dados, houve o interesse em verificar quem era o responsável pelo acolhimento da demanda espontânea - a partir da visão dos sujeitos da pesquisa - e qual o entendimento deles frente às responsabilidades de quem praticava esta atividade. Desta forma, evidenciou-se que esta atribuição recai sobre o técnico de enfermagem, sustentado pelas falas a seguir:

[...] O acolhimento ele pode ser feito por qualquer pessoa. [...] É a recepção e encaminhamento das necessidades daquele usuário (E 15).

[...] Se tivesse mais um técnico de enfermagem, que fizesse o acolhimento, a gente iria resolver a maior parte dos problemas (E 08).

Conforme falas dos entrevistados, apesar de o técnico de enfermagem estar na linha de frente, os enfermeiros ficam em sua retaguarda para dar a continuidade no atendimento.

[...] Não sai nenhum paciente sem passar pela técnica de enfermagem, e depois passar por mim, que não está agendada (E 13).

[...] O primeiro contato vai ser com um técnico de enfermagem. [...] E eu que vou decidir aonde que vai, se vai ser agendado o que vai ser, pra onde vai. Eu dou a palavra final sempre (E 11).

CATEGORIA: Aplicabilidade da Classificação de Risco e protocolos

No que se refere à classificação de risco, durante as entrevistas se observou que a maioria dos participantes relatam não realizar a mesma:

[...] A gente não consegue classificar porque realmente a gente não tem esse protocolo, a gente não faz essa classificação no momento (E 09).

[...] Não, a gente não faz classificação de risco, a gente só faz uma classificação de risco onde tem o protocolo dizendo o que vai ser feito em cada situação (E 08).

Corroborando a não realização da classificação, também ficou evidente a necessidade da implantação de um protocolo municipal como meio para garantir a segurança dos profissionais para realização da mesma:

[...] A gente não usa certas nomenclaturas, porque a gente não tem o protocolo e por mais que tenha o caderno 28, se o município não efetivar como, do município, a gente não pode daí fica difícil. Mas de certa forma a gente acaba fazendo a classificação (E 15).

As falas dos sujeitos e contextualizações sustentadas demonstraram que para obtenção de um processo de trabalho resolutivo, faz-se necessário que o enfermeiro se encontre seguro de suas decisões, estando respaldado em protocolos institucionais.

CATEGORIA: Dificuldades no acolhimento

Há relatos que, apesar das inúmeras funções pertinentes aos enfermeiros, eles realizam o acolhimento, porém encontram várias dificuldades, tanto pelo excesso de atribuições, como pelo estigma da população médica:

[...] Às vezes me pergunto será que não podíamos fazer um pouco melhor. [...] Porque eu acho que o nosso tempo é muito curto, são muitas atividades, muitas funções, na atenção básica tu absorve tudo. E a carga que a gente tem enquanto enfermeiro ela é muito grande. [...] Isso às vezes, é frustrante (E 14).

[...] E a própria população exige o médico, e os profissionais também não se empoderam muito, não se pode dizer que não é só a população, às vezes por insegurança, ou às vezes porque é mais fácil passar a bola para o médico (E 11).

Em relação à demanda espontânea, percebe-se a queixa de que a procura é sempre maior que a oferta, o que dificulta a qualidade e resolutividade do atendimento, conforme apontam as falas:

[...] Muitas vezes eles vem em demanda espontânea e não é, aquela urgência, então tentamos conscientizar a população que aqui a gente trabalha com agendamento, aqui a gente faz prevenção e promoção, que a gente não trata doença, para que eles tenham consciência de vir e agendar, de fazer o check-up anual, e não esperar ficar doente para vir procurar, então a demanda é bem maior, a dificuldade é bem grande, parece que cada dia aumenta mais, ao invés de diminuir (E16).

[...] A gente vive com uma demanda muito acima daquilo que a gente consegue atender, então a qualidade do acolhimento que a gente acaba fazendo, não é do jeito que a gente gostaria (E12).

Quando se fala da importância em acolher o usuário é unânime que a escuta os direciona. Muitas vezes o usuário não consegue expressar sua necessidade ou desconhece o fluxo da unidade, então uma escuta qualificada pode garantir a resolutividade no acolhimento, apontando que todos os colaboradores são essenciais na resolução do problema.

[...] Eu percebo resolutividade porque tem muitas coisas que vem que às vezes não é coisa de médico, tem muita coisa que eles trazem, às vezes realmente o que eles querem é uma escuta, às vezes é um problema que tem ali por trás, é uma questão, é um problema social, é um problema psicológico, é outro contexto. Às vezes, cognitivo que às vezes tem dificuldade de compreender um tratamento, uma determinada doença (E 07).

[...] Se não fosse pelo acolhimento a saúde teria uma outra cara, um outro olhar, outra visão, reforçaria essa questão do modelo médico centrado, baseado no tratamento, cura através de medicamento, sem outras orientações, sem outras possibilidades de auxílio às pessoas (E 05).

Discussão

Relacionando os dados obtidos neste estudo com a Pesquisa do Perfil de Enfermagem realizada pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), maior órgão da classe do Brasil, a prevalência do sexo feminino se faz presente em ambas as pesquisas, visto que na pesquisa desenvolvida pelo COFEN, a proporção de mulheres foi de 89,4% do total de profissionais. A mesma relação prevaleceu em relação à idade dos participantes, pois em ambos os estudos a faixa etária até 40 anos foi a de maior prevalência.8

Analisando os dados disponíveis no perfil de enfermagem, em relação ao tempo de trabalho, descobrimos que no Estado 23,7% trabalham entre 1 a 2 anos nas instituições, indo ao encontro com os 75% entrevistados. Pode-se justificar pelo fato de ter acontecido um concurso público há 2 anos e, pela grande oferta de trabalho disponível na região. Quanto à formação profissional, os enfermeiros entrevistados se encontram abaixo da média da pesquisa de enfermagem.8

Quando analisadas as falas que se relacionavam ao sentido de “acolher”, foi observado que o mesmo esteve relacionado como meio para reconhecer o que o outro traz como legítimo e singular, o acolhimento deve comparecer e sustentar a relação entre equipes/serviços e usuários/populações.9

Desta forma, entende-se que o acolhimento é uma prática presente em todas as relações de cuidado, nos encontros reais entre trabalhadores de saúde e usuários, nos atos de receber e escutar as pessoas, podendo acontecer de formas variadas.9

Tradicionalmente, a noção de acolhimento no campo da saúde tem sido identificada, ora como uma dimensão espacial, que se traduz em recepção administrativa e ambiente confortável; ora como uma ação de triagem administrativa e repasse de encaminhamentos para serviços especializados. Ambas as noções têm sua importância. Entretanto, quando tomadas isoladamente dos processos de trabalho em saúde, restringem-se a uma ação pontual, isolada e descomprometida com os processos de responsabilização e produção de vínculo.10

É importante que as equipes discutam e definam o modo como os diferentes profissionais participarão do acolhimento. Quem receberá o usuário que chega; como avaliar o risco e a vulnerabilidade desse usuário; o que fazer de imediato; quando agendar consulta médica; como organizar a agenda dos profissionais; que outras ofertas de cuidado podem ser necessárias etc. É necessário ampliar a capacidade clínica da equipe de saúde para escutar de forma ampliada, reconhecer riscos e vulnerabilidades.9

A atuação da equipe exige tomada de decisão coletiva na qual os saberes são específicos, porém as responsabilidades são iguais e compartilhadas. Para tanto, um pressuposto é a mudança do processo de trabalho, colocando o usuário como centro da atenção e o conjunto de trabalhadores colocam à disposição toda a potencialidade de seus saberes.11

A presença do enfermeiro na Estratégia de Saúde da Família (ESF) tem se mostrado fundamental para a expansão e consolidação dessa estratégia na reorganização do modelo de atenção à saúde no Brasil, pois este profissional possui atribuições de várias naturezas que contemplam desde a organização das atividades da ESF até a assistência direta ao indivíduo, família e comunidade.12

Com uma escuta qualificada oferecida pelos trabalhadores às necessidades do usuário, é possível garantir o acesso oportuno desses usuários a tecnologias adequadas às suas necessidades, ampliando a efetividade das práticas de saúde. Isso assegura, por exemplo, que todos sejam atendidos com prioridades a partir da avaliação de vulnerabilidade, gravidade e risco.13

A classificação de risco é uma ferramenta que, além de garantir atendimento imediato do usuário com grau de risco elevado, propicia informações aos usuários sobre sua condição de saúde e o tempo de espera; promove o trabalho em equipe; melhora as condições de trabalho aos profissionais de saúde por meio da discussão da ambiência e implantação do cuidado horizontalizado; aumenta a satisfação dos usuários e fomenta a pactuação entre os serviços da rede assistencial.14,15

No acolhimento, todos os profissionais devem e podem participar, porém a atividade de classificação de risco, uma das etapas do processo de acolher, deve ser realizada por profissional de saúde de nível superior capacitado.16

O Conselho Federal de Enfermagem, na Resolução 423/2012, afirma que: No âmbito da equipe de Enfermagem, a Classificação de Risco e a priorização da assistência em Serviços de Urgência é privativa do Enfermeiro. Além disso, esta Resolução prevê que o Enfermeiro deve estar dotado de conhecimentos, competências e habilidades que garantam rigor técnico-científico ao procedimento.17,18

Apesar de o Ministério da Saúde respaldar a participação do enfermeiro para prática do acolhimento, desde que asseguradas às prerrogativas supracitadas, foi observado durante as entrevistas certa angústia nos profissionais entrevistados quando indagados acerca deste tema e, mesmo usando como referência as diretrizes do Ministério da Saúde, ficou evidente a necessidade da implantação de um protocolo municipal.

Neste contexto, a classificação de risco configura-se como uma etapa essencial do acolhimento. Contudo, torna-se necessário respaldar e qualificar os profissionais a fim de consolidar essa estratégia que contribui na organização das redes de cuidado em saúde e possibilita que os usuários sejam atendidos com resolutividade e humanização.

Por meio de escuta qualificada e da pactuação entre a demanda do usuário e a resolutividade do serviço, concretiza-se o acolhimento no cotidiano das práticas de saúde, incluindo a responsabilização daquilo que não se pode responder de imediato, mas que é possível encaminhar, de maneira ética e resolutiva, com segurança de acesso ao usuário, sendo a (APS) a responsável pela coordenação do cuidado desse usuário.19

O enfermeiro é reconhecido pela habilidade interativa e associativa, por compreender o ser humano como um todo, pela integralidade da assistência à saúde, pela capacidade de acolher e identificar-se com as necessidades e expectativas dos indivíduos, pela capacidade de interagir diretamente com o usuário e a comunidade, bem como pela capacidade de promover o diálogo entre os usuários e a equipe de saúde da família.18

Porém, a desordenação nos processos e o excesso de demanda de trabalho associa-se, de modo especial, às relações entre colegas, lideranças e clientes. Tais situações geram consequências diretas na saúde dos trabalhadores, evidenciadas na avaliação negativa da compatibilidade entre vida social e profissional, e pode estar intimamente ligada a níveis crescentes de estresse e sofrimento no trabalho.19

A organização dos profissionais na equipe é fundamental para assegurar a qualidade do serviço prestado. Salienta-se que, além da composição adequada de uma equipe, é exigido um novo perfil profissional, com necessidade de capacitação, formação e educação permanente. Ademais, o bom relacionamento entre os profissionais propicia assistência adequada aos usuários e qualidade de vida no trabalho, prevenindo adoecimento, absenteísmo, sentimento de impotência e frustração.13

O acolhimento deve ser visto como um dispositivo que propicie vínculo entre equipe e população, trabalhador e usuário, desencadeador do cuidado integral. É um processo no qual trabalhadores e instituições assumem a responsabilidade de intervir em uma dada realidade a partir das principais necessidades de saúde, buscando uma relação acolhedora e humanizada sobre saúde nos níveis individual e coletivo.20

A medida que o profissional de saúde incorpora uma ferramenta ou atividade como uma rotina, neste caso o acolhimento, acaba por esquecer ou não reconhecer sua motivação e seus fundamentos conceituais, passando a executá-lo de forma acrítica. Esta alienação pode ter consequências para a saúde dos trabalhadores e para a eficácia do cuidado nos serviços de saúde.21

A diversidade de demandas, motivos e características dos usuários que procuram o acolhimento requer diferentes respostas da equipe para a clientela. A atuação das ESF deve partir do diagnóstico e avaliação da área de abrangência, o que pode ser realizado a partir de instrumentos formais e informais.22

Para os profissionais, o acolhimento aparece como um elemento importante para organizar a demanda e o processo de trabalho, mas exige esforço e dedicação profissional. A pressão dos usuários pelo atendimento imediato e a recusa de ser acolhido por outro profissional, a exemplo do auxiliar ou enfermeiro, antes de chegar ao médico, refletem na equipe em forma de estresse e cansaço.23

Um serviço acessível é aquele de fácil abordagem, disponível às pessoas, no qual não há barreiras geográficas, gerenciais, financeiras, culturais ou de comunicação, possibilitando que os indivíduos recebam atenção, e que esta seja resolutiva, ou seja, que o problema seja resolvido naquele ou em outro ponto de atenção, ao primeiro contato com o serviço.24

Deve-se buscar continuamente o trabalho multiprofissional, a fim de modificar o fluxo unidirecional ainda vigente, direcionado ao atendimento médico, para um envolvimento dos diferentes saberes profissionais disponíveis na ESF.25

Conclusão

A realização deste estudo permitiu refletir sobre a visão do enfermeiro a respeito do seu conhecimento e práticas no acolhimento e na classificação de risco desenvolvidas em seu cotidiano, bem como dos fatores que nelas interferem.

A prática do acolhimento se apresentou de diversas maneiras envolvendo atores do cotidiano da atenção básica, evidenciando o profissional técnico de enfermagem. Com relação à classificação de risco, observa-se a hesitação dos enfermeiros em relação à sua aplicabilidade e, evidencia-se a necessidade de respaldo partindo das autoridades, com relação à formalização dos protocolos.

Embora se reconheça a importância do acolhimento e sua resolutividade, constata-se a necessidade de capacitar e criar protocolos de direcionamento em parceria com a Educação Permanente.

Declaração de conflito de interesses

Os autores declaram não ter conflitos pessoais, comerciais, acadêmicos, políticos ou financeiros.

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Datas de Publicação

  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2018
  • Aceito
    25 Abr 2018
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